Um pano de púrpura franjado de ouro pendia da abóbada natural, preso nas estalactites seculares que dela desciam, semelhantes aos penduróis do tecto de um templo normando-árabe. A luz dos fachos mal alumiava aquele recanto afastado; mas nessa meia claridade branquejavam roupas alvas de mulher, que também parecia agitada por sonhos dolorosos, se é que o seu gemer de espaço a espaço, o soluçar contínuo, o agitar-se de instante a instante não eram antes indícios dessa modorra febril, dessa hesitação entre o dormir e a vigília, semelhante ao arquejar do moribundo que já perdeu a consciência da vida que vai fugindo. No meio desta cena de duvidosa quietação uma personagem velava. Era o moço Pelágio, que, atravessando a caverna a passos lentos e cautelosos, de um para outro lado, ora aplicava o ouvido aos movimentos irrequietos e ao respirar agitado do vulto branco, ora parava à entrada da gruta, fitando os olhos na escuridão exterior e escutando com todos os sinais de impaciência de quem espera alguém que tarda. Depois, dirigia-se para o lado do vermelho brasido e, cruzando os braços, punha-se a contemplar o torvo aspecto do cavaleiro do escabelo, com um olhar de simpatia e compaixão, misturada do que quer que fosse de admiração e de terror involuntário.
Estes movimentos sucessivos do mancebo repetiram-se umas poucas de vezes; por fim, a figura membruda e selvática do lusitano Gutislo assomou no arco irregular que servia de pórtico àquela habitação roubada pela desventura às feras.
— Voltaram? — perguntou em voz baixa ao bárbaro do Hermínio o duque de Cantábria.
— Desmontam agora — respondeu Gutislo. — Velido, o centenário, disse-me viesse ver se repousavas.
— Repousar! — replicou Pelágio, sorrindo tristemente e olhando para o sítio onde o pano de púrpura ocultava o vulto branco. — Que venha; que venha já.