A embriaguez dos banquetes era para Eurico tristonha; as carícias feminis, facilmente compradas e profundamente mentidas, atrás das quais correra loucamente outrora, tinham-se-lhe tornado odiosas; porque o amor, com toda a sua virgindade sublime, lhe convertera em podridão asquerosa os deleites grosseiros que o mundo oferece à sensualidade do homem. Teodemiro acreditara na eficácia da bruteza para matar o mais formoso dos afectos humanos; mas o amor devorou na mente de Eurico todos os outros sentimentos, como a lava candente devora tudo o que encontra, quando o vulcão a vomita, alagando a superfície da Terra.
Fávila veio à corte: Hermengarda acompanhava-o. Teodemiro recordar-se-á ainda de qual foi o desfecho do amor de Eurico, que ousou dizer ao velho prócer: «Dá-me por mulher tua filha.» A amizade de Teodemiro salvou então o desprezado gardingo da morte do corpo, mas não pôde salvá-lo da morte da alma. Razões, rogos, lágrimas; quanto a eloquência de afeição mais que fraterna tem de veemência; quantas cordas do coração sabe fazer vibrar a mão de um amigo, tudo ele tentou debalde! Não há palavras que possam erguer um espírito que deu em terra; mão nenhuma tira sons de cordas que estalaram. Eurico ou, antes, a sua sombra, fugiu do lado de Teodemiro, e da porta do santuário disse-lhe um adeus eterno, como ao resto do mundo.
Mal sabia o desgraçado que nesse adeus a sua consciência mentia a si própria! Teodemiro, tu hoje és duque de Córdova: entre os povos sujeitos ao teu império; entre os que abençoam a tua justiça e bondade, num ângulo da vasta província da Bética, em Carteia, vive um pobre presbítero que para ti pede ao Senhor tanto o renome e o poderio quanto para si deseja a obscuridade e o esquecimento. Este presbítero é quem te escreve; quem limitou a bem poucos anos a eternidade do adeus que te dissera; é aquele que se chamava no mundo o gardingo Eurico, aquele de quem foste amigo, e que foi teu rival de glória.