Táriq ficou por alguns momentos calado e pensativo:
— Seja como te aprouver — disse por fim. — Busca no exército os melhores artífices árabes e com eles e com os teus godos alevanta esses valos em que põe sua confiança o teu coração descrido.
— Houve um tempo em que não o foi — replicou Juliano com o acento da cólera misturada de indignação e tristeza —, mas Vitiza dorme debaixo duma lousa o sono da eternidade, e o seu assassino chama-se o rei dos Godos. Ele folga e ri assentado no trono que lhe deu a traição e o perjúrio. Táriq, o teu profeta inspira-te em sonhos; mas a vingança é mais segura inspiração, porque é o sonho perene do homem desperto, quando vê assim falhar a justiça do céu, se é que nele há justiça.
Proferindo estas palavras blasfemas, Juliano saiu da tenda. Táriq bateu as palmas, e um guerreiro etíope, cujos olhos lhe reluziam sanguíneos na pretidão do rosto, entrou com os braços cruzados e ficou imóvel e curvado diante de Táriq. Pareceu-me que este lhe ordenava o que quer que fosse; mas falava na sua linguagem bárbara, e não o pude entender.
Sabia assaz qual era a situação e quais os acidentes do solo de todos os desvios do Calpe para perceber que a minha demora naqueles sítios podia tornar-me impossível a saída. A defensa do promontório consistia unicamente em cortar com valos e cavas o istmo que o liga ao continente. Juliano começaria, talvez, a alevantar as tranqueiras nessa mesma noite; era, portanto, necessário partir.
Quando atravessei a serra pelos trilhos mais curtos e escusos, conheci que o meu receio fora bem fundado. Parando no topo de uma penedia, donde se divisava ao redor quase toda a montanha, vi centenares de fachos que vacilavam, correndo tortuosamente pelas ladeiras, sumindo-se, tornando a aparecer, retrocedendo.