Robinson Crusoe - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 11 / 241

Se tivesse pensado dirigir-me a Hull e voltar para casa de meus pais teria sido feliz, e o meu pai, a exemplo da parábola do Evangelho, teria sacrificado em minha honra a terceira cevada; porque tendo chegado ao seu conhecimento que o buque no qual eu ia embarcado naufragara na enseada de Yarmouth, tratou de, durante .imenso tempo, inquirir se eu perecera.

Mas o meu destino adverso arrastava-me com força implacável e, embora vezes sem conta a razão e o juízo me gritassem muito alto que era preciso tornar à morada paterna, não podia, mesmo assim, decidir-me a isso. Não sei que nome dar a isto, nem pretendo afirmar que seja um secreto desejo aquele que nos impele a ser o instrumento da nossa própria desgraça, mesmo quando esta se ache diante de nós e para ela nos dirijamos de olhos bem abertos. Mas, verdadeiramente, era necessário que estivesse predestinado a essa desgraça certa e inevitável para tomar um partido tão directamente contrário às minhas convicções e raciocínios, e a umas lições tão visíveis como as que tinha recebido na minha primeira tentativa.

O amigo que antes contribuíra para me dar ânimo, e que era filho do comandante, encontrava-se então muito mais desanimado do que eu. A primeira vez em que, depois, me falou estávamos em Yarmouth, e tal só ocorreu passados dois ou três dias, por nos acharmos hospedados em bairros diferentes. Apercebi-me de que as suas ideias haviam sofrido uma alteração notável e, movendo a cabeça com ar triste e melancólico, informou-se da minha saúde e disse ao pai quem eu era, e como havia empreendido aquela viagem sozinho, à maneira de ensaio para empresas mais importantes. O pai voltou-se então para mim numa entoação ao mesmo tempo grave e carinhosa:

- Jovem - disse-me -, não deve tornar a embarcar; tem de encarar o que se passou como um sinal seguro e visível de que não está destinado a seguir uma carreira marítima. Trate de entender bem que, se não voltar para casa, só encontrará em toda a parte onde for pesares e desgraças, até se cumprirem em si à letra os prognósticos do seu pai.

Mal lhe respondi, separando-nos logo de seguida. Nunca mais o tornei a ver, nem soube que caminho seguiu.





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