Compreendi imediatamente que fora ele quem me falara, porque o tinha ensinado a pronunciar aquelas palavras, e as aprendera tão perfeitamente que, com frequência, ia pousar-se-me no ombro; aproximando o bico da minha cara, exclamava:
- Pobre Robinson Crusoe! Onde estás, onde estás?
Como vieste aqui parar?
E outras frases parecidas.
Apesar de tudo, e mesmo após me ter certificado que era o papagaio, e que efectivamente não podia ser mais ninguém senão ele, demorei um pouco a sair do meu espanto. A princípio fiquei assombrado ao ver como o animal tinha vindo pousar-se naquele sítio e não noutro. Mas quando me assegurei bem de que se tratava apenas do meu bom «Poll»; dirigi-me para ele, estendi-lhe a mão e chamei-o pelo nome; o carinhoso pássaro veio logo pousar-se no meu polegar, conforme era seu hábito, e continuou a gritar:
- Pobre Robinson Crusoe! Como vieste aqui parar?
Por onde andaste?
Como se estivesse realmente admirado por voltar a ver-me, e assim o conduzi para casa.
Fartei-me dos passeios pelo mar; tinha que fazer para muitos dias, descansando e reflectindo sobre os perigos que correra. Tivera desejado ter a canoa perto de mim, mas não via maneira alguma de a transportar. Conhecia por demais a costa leste para me aventurar nela, e só esta ideia gelava-me o sangue nas veias. Não conhecia o outro lado da ilha, mas julgando que a corrente se dirigia com a mesma violência contra a costa leste, no outro lado corria o risco de ser arrastado violentamente e afastado da minha ilha como antes o fora. Estas reflexões fizeram-me tomar a resolução de prescindir da piroga e perder assim o fruto do trabalho de muitos anos gastos a construí-la e a conduzi-la até ao mar. Nesta disposição de espírito levei mais de um ano uma vida sedentária, retirada, conforme pode imaginar-se. Estava descansado quanto à minha sorte, resignado perante as ordens da Providência e, excepto a sociedade, nada me faltava para ser feliz.
Durante esse tempo aperfeiçoei-me nos exercícios mecânicos, aos quais me havia dedicado por necessidade, e creio que teria podido passar, certamente, por um bom carpinteiro considerando as poucas ferramentas que possuía.