Robinson Crusoe - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 14 / 241

É impossível imaginar navegação mais desgraçada pois, embora não tenha perdido todo o produto dos meus lucros, porque não havia levado mais do que cem libras esterlinas deixando as duzentas restantes em poder da viúva do comandante, que guardou fielmente esse depósito, experimentei, apesar de tudo, os mais terríveis infortúnios. Navegando para as ilhas Canárias ou, melhor dizendo, entre estas ilhas e as costas de Africa, fomos surpreendidos ao amanhecer por um corsário turco de Salem, que vinha a dar-nos caça a todo o pano. Pela nossa parte, oferecemos ao vento todas as velas que levávamos, com o intuito de nos salvarmos; mas vendo que ele nos ia alcançar, preparámo-nos para lhe fazer frente. Contávamos a bordo com doze canhões; o pirata possuía dezoito. Às três da tarde chegou a pôr-se em posição de tiro, começando o ataque por mero de uma falsa manobra porque, em vez de nos fazer fogo pela popa, como parecia ser propósito seu, atirou-nos uma descarga apanhando-nos o costado. Então assestámos-lhe oito dos nossos canhões pelo mesmo lado e, fazendo-os descarregar ao mesmo tempo, fizemo-lo retroceder, mas unicamente depois de nos ter respondido do mesmo modo, acrescentando ainda um fogo nutrido de fuzilaria feito por duzentos homens que tinha a bordo. Apesar disso os nossos marinheiros achavam-se a coberto, e não feriu nenhum. Então o pirata preparou-se para renovar o combate, e nós dispusemo-nos para a defesa. Acercando-se pelo costado esquerdo, lançou-nos à abordagem pelo lado do castelo de popa sessenta homens, os quais manejavam com a maior destreza o machado, talhando e cortando mastros e cordas. Recebemo-los vigorosamente com um fogo apoiado; dando-lhes algumas cargas à baioneta, e por duas vezes conseguimos rechaçá-los do nosso convés. Por último, para abreviar, acrescentarei que o nosso buque ficou inteiramente desmantelado, sendo mortos três dos nossos e outros três feridos, de modo que 'nos vimos obrigados a render-nos, e os vencedores conduziram-nos para Salem, porto que pertence aos mouros.

O tratamento que recebi neste cativeiro não foi tão terrível como a princípio receara.





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