Quando fiquei um pouco afastado daquela parte da ilha, detive-me de repente, como que aniquilado, e em breve, recobrando as forças, elevei ao céu os meus olhos alagados de água. Com todo o fervor do coração dei graças a Deus por ter permitido que nascesse longe daqueles povos bárbaros.
Cheio destes sentimentos de gratidão, cheguei à fortaleza e comecei a sentir-me menos inquieto com a minha segurança do que até então estivera, pois dei conta de que aqueles miseráveis nunca vinham à ilha em busca do que ela pudesse conter, talvez por não verem, procurarem ou esperarem nada aqui depois de, sem dúvida, terem percorrido a parte coberta e povoada de árvores sem descobrirem nada que lhes conviesse. Sabia agora que havia passado na ilha perto de dezoito anos sem ver o mínimo vestígio humano, e podia esperar permanecer ainda outro tanto tempo oculto como até agora, a não ser que eu próprio me desse a conhecer, o que de forma alguma entrava nos meus cálculos; para isso bastava manter-me no sítio que ocupava até deparar com uma ocasião de me dar a conhecer a uma espécie melhor de criaturas do que os canibais.
Mesmo assim, aqueles selvagens inspiraram-me um tal horror, e o seu feroz costume de se devorarem uns aos outros causou-me uma melancolia tão profunda, que permaneci fechado nos meus domínios cerca de dois anos. Entenda-se por meus domínios as minhas três plantações, a saber: o castelo, a casa de campo, a que eu chamava quinta, e a cerca do bosque. A esta só ia por causa das lamas, porque a minha aversão para com aqueles canibais era tão grande que temia tanto a sua presença como a do próprio diabo em pessoa. Abstive-me também de visitar a minha canoa durante todo aquele tempo, mas tratei de construir outra. Não podia arriscar-me a conduzir a antiga para perto de casa, ao longo da costa, receando encontrar no mar alguns daqueles selvagens; sabia bem de mais qual seria a minha sorte se tivesse a desgraça de cair nas mãos deles.
