Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 145 / 241

Assim decorreu imenso tempo, empreendendo eu aquela excursão quotidianamente; os meus desígnios subsistiam com todo o seu vigor e não deixava de estar disposto a matar uma trintena de selvagens sem defesa por um crime que não havia discutido, a não ser pelo horror que me inspirava o costume desumano daqueles povos.

Mas quando pensei um pouco melhor no assunto, reconheci que a minha iniciativa era ilegítima e que os selvagens não eram mais homicidas do que os cristãos que matavam os prisioneiros de guerra e não davam quartel a ninguém, passando a punhal batalhões inteiros, mesmo que estes se tivessem rendido.

A seguir, considerei que o hábito de se devorarem uns aos outros era muito bárbaro e desumano, mas que eu nada tinha a ver com isso, porque aquela gente não me tinha feito nenhum mal. Que se me ameaçassem e eu julgasse necessário para minha própria conservação cair sobre eles, poderia fazê-lo, mas que, achando-me fora do seu alcance, já que não possuíam qualquer conhecimento da minha estada na ilha e, por conseguinte, nenhum plano contra mim, era injusto da minha parte atacá-los.

Estas considerações detiveram-me e deixaram-me meditabundo por algum tempo. Renunciei, pois, a pouco e pouco ao meu projecto e cheguei a persuadir-me de que cometera uma injustiça com a decisão de atacar os selvagens; que não devia meter-me nos seus negócios a não ser que me atacassem, circunstância que devia prevenir, se possível; mas se eles me descobrissem e ofendessem, já sabia o que deveria fazer.

Pensei depois que o meu projecto, longe de contribuir para me salvar, não faria mais do que apressar a minha perda, a menos que estivesse certo de matar não só os que se encontrassem em terra naquele momento mas também os que pudessem chegar mais tarde, já que bastava que um só escapasse e fosse contar tudo o que sucedera aos compatriotas, para que viessem sem dúvida aos milhares, a fim de vingarem a morte dos companheiros; deste modo não teria feito mais do que preparar a minha própria destruição, que actualmente não tinha qualquer motivo para temer.





Os capítulos deste livro