Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 156 / 241

Outras vezes, por último, reflectia que talvez estivessem metidos na chalupa e que, dominados pela mesma corrente que me tinha arrastado, teriam sido atirados para o seio do imenso oceano, onde não teriam outra esperança que não fosse a morte, ou ficariam ainda reduzidos a morrer de fome ou a devorarem-se uns aos outros.

Mas como tudo isto não passava de conjecturas, na posição em que me achava não podia fazer mais do que ralar-me com a desgraça daqueles desafortunados e lastimar-me pela sua sorte. Todos estes pensamentos faziam-me estar cada vez mais reconhecido a Deus, cuja Providência tão maravilhosamente velara sobre a minha existência deplorável, e havia permitido que de duas tripulações perdidas naquela costa fosse eu o único a quem salvara. Isto levou-me também a considerar que é muito raro que Deus nos coloque numa posição tão má ou tão baixa que não devamos dar-lhe ainda graças, pois podemos encontrar sempre seres mais desgraçados do que nós. Era muito provável que não se tivesse salvo uma só pessoa daquela tripulação, a menos que acontecesse ser recolhida por outro buque que navegasse a seu lado; mas como não via qualquer aparência de acontecimento feliz, isto não passava de uma simples presunção minha.

Não acho palavras bastante enérgicas para exprimir os ardentes desejos da minha alma à vista daqueles restos do buque.

- Meu Deus - exclamei -, fazei com que um ou dois ou, pelo menos, um só se haja salvo, a fim de ter um companheiro, um meu semelhante com o qual possa falar e conversar!

Nunca no largo transcurso da minha vida solitária havia desejado tanto a companhia dos meus semelhantes nem sentido tanto a sua falta.

Mas tal não era, ao que parece, o destino deles nem o meu, pois até ao último ano da minha estada na ilha ignorei se algum se teria salvo daquele naufrágio ou não; apenas alguns dias depois tive a mágoa de ver na areia, no extremo da ilha, perto do buque naufragado, o corpo de um grumete afogado. O seu fato consistia numa jaqueta de marinheiro, numas calças de pano branco, abertas até ao joelho, e numa camisa azul. Foi-me impossível adivinhar de que nação podia ser: nos seus bolsos tinha apenas duas moedas de prata e um cachimbo, para mim de maior valor do que o dinheiro.





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