Robinson Crusoe - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 176 / 241

Julgava sem dúvida que eu queria livrar-me dele, pois veio pôr-se de joelhos à minha frente, abraçando-me as pernas, assim permanecendo por algum tempo a dirigir-me palavras que eu não compreendia, a não ser que me suplicava para não o matar.

Depressa dei com um meio de o convencer de que não queria fazer-lhe qualquer dano; tomei-o pela mão, sorrindo; levantei-o e, apontando-lhe com o dedo a pequena lama, indiquei-lhe que a fosse buscar. Obedeceu e, enquanto se ocupava a examinar com admiração como fora morto aquele animal, voltei a carregar a escopeta. Um instante depois vi em cima duma árvore, ao alcance de tiro, um grande pássaro parecido com um falcão, embora fosse efectivamente um papagaio. Para tentar explicar a Sexta-Feira o que pretendia fazer, chamei-o e disse-lhe que se pusesse a meu lado; mostrei-lhe o pássaro, depois a escopeta, depois a terra que estava debaixo do pássaro, a fim de lhe fazer ver que os meus desejos eram que caísse no sítio que lhe assinalara. Fiz então fogo, dizendo-lhe que olhasse bem, e logo viu o papagaio cair. Não obstante o que lhe dissera, o meu selvagem ainda se assustou; como não me tinha visto meter nada na escopeta, julgava que era um recurso inesgotável de morte e destruição, capaz de matar ao' longe ou ao perto homens, quadrúpedes e pássaros. O espanto em que ficou perante aquilo durou algum tempo, e creio ainda que, se eu tivesse desejado, me teria adorado tanto como à escopeta. Esteve muitos dias sem se atrever a tocar-lhe, mas quando ficava perto dela, dirigia-lhe palavras suplicantes e parecia aguardar que lhe respondesse. Confessou-me depois que rogara à escopeta que não o matasse.

Quando recuperou um pouco do susto, ordenei-lhe que fosse buscar o pássaro morto; obedeceu, mas não voltou de seguida porque o papagaio não tinha morrido do tiro e tinha-se arrastado para uma' grande distância do local em que caíra. Deu, por fim, com ele, apanhou-o e veio trazer-mo. Como via que não percebia o efeito da escopeta, aproveitei a sua ausência para carregá-la de novo sem que ele visse, a fim de tê-la pronta se se me apresentasse uma nova ocasião; mas não houve oportunidade para fazê-lo.





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