Robinson Crusoe - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 183 / 241

Li-lhe no rosto um sentimento de prazer extraordinário: os olhos cintilavam-lhe e os seus gestos davam a conhecer um violento desejo de regressar à sua terra. Esta descoberta suscitou em mim uma multidão de ideias que me inquietaram quanto ao meu escravo, pois não duvidava de que se Sexta-Feira encontrasse oportunidade de voltar à pátria olvidaria não só todos os princípios de religião que lhe inculcara, mas também todos os deveres que podia ter para comigo. Receava que falasse de mim aos seus compatriotas e que trouxesse algumas centenas, os quais poderiam, tal como ele, regalar-se com a minha carne, do mesmo modo que noutro tempo com a dos prisioneiros de guerra.

Estava, porém, a cometer uma grave injustiça para com aquele infeliz, da qual depois me arrependi. Apesar disso, como as minhas suspeitas aumentaram e duraram durante algumas semanas, cheguei a tornar-me mais circunspecto e menos familiar com ele do que antes, e procedi mal, porque aquela boa e honrada criatura, longe de pensar como eu, fundava toda a sua conduta sobre os melhores princípios de devoção cristã e amizade reconhecida, conforme mais tarde vi com grande satisfação.

Enquanto durou a minha desconfiança tratei de sondá-lo todos os dias, principalmente para procurar descobrir algumas das ideias que suspeitava nele. Mas achava em tudo o que dizia tanta candura e honradez que não pude alimentar muito tempo as minhas suspeitas e em breve, mau grado a minha inquietação, confiei-me de novo inteiramente a ele. Sexta-Feira não chegou a saber que eu andara inquieto e eu não podia suspeitar falsidade nele.

Certo dia, em que a atmosfera estava demasiadamente carregada para se poder avistar o continente, e em que passeávamos juntos sobre a referida colina, disse-lhe: - Sexta-Feira, não queres voltar para a tua terra, para a tua nação?

- Sim - respondeu-me -, eu muito alegre ver minha nação.

- E que farias? - continuei. - Gostarias de voltar a comer carne humana e de ser selvagem como dantes?

Sorriu e, abanando a cabeça, replicou:

- Não. Sexta-Feira dizer-lhes viver bem, orar Deus, comer pão de cevada, carne de animal, leite. Não mais comer homens.





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