Olhou-me estupefacto perante esta pergunta, sem dúvida porque a canoa lhe parecia pequena para tal viagem. Também lhe disse que tinha uma maior e, no dia seguinte, levei-o ao local onde estava a primeira canoa que fizera, e que não fora capaz de transportar para a água. Achou-a de bom tamanho mas como não tivera nenhum cuidado com ela, e ficara naquele sítio a bagatela de vinte e dois ou vinte e três anos, o sol tinha-a de tal modo ressequido e rachado que estava quase reduzida a pó. Sexta-Feira garantiu-me que uma canoa igual chegaria e poderia conter, como ele dizia, bastantes víveres «de beber e pão».
Uma tal segurança cimentou de tal modo a minha resolução que lhe disse que só nos faltava fazer uma igual a fim dele poder tornar à sua terra. Não replicou nada, mas pôs-se muito sério. Perguntei-lhe o que tinha e respondeu:
- Porquê zangar com Sexta-Feira? Que ter eu feito, que ter eu feito?!
Interroguei-o sobre o que aquilo significava, e assegurei-lhe que não cometera nenhuma inconveniência.
- Nenhuma inconveniência? - replicou repetindo estas palavras muitas vezes.
- Porquê enviar Sexta-Feira minha nação?
- Essa agora! Então não disseste que desejavas regressar?
- Sim - respondeu -, desejar os dois lá. Não querer Sexta-Feira lá e meu amo cá.
Numa palavra, não queria ouvir falar em partir sem mim.
- Vamos a ver, Sexta-Feira, que iria eu lá fazer? Ele replicou vivamente:
- Senhor fazer muito bem! Senhor ensinar homens selvagens ser homens bons, sábios, homens domesticados, mostrar desconhecer Deus, orar Deus e viver nova vida.
- Ah!, Sexta-Feira, não sabes o que dizes! Não passo de um ignorante.
- Sim, sim, senhor ensinar eu bem. Senhor ensinar eles bem.
- Não, não - continuei -, tu partirás sozinho, Sexta-Feira. Vais deixar-me viver aqui nesta solidão como dantes.
Pareceu novamente aterrado com estas palavras; depois, pegando no pequeno machado que levava habitualmente, apresentou-mo com vivacidade.
- Que queres que faça? - disse-lhe.
- Senhor matar Sexta-Feira.
- E porquê matá-lo?
- E porquê enviar Sexta-Feira longe, fora? Senhor matar Sexta-Feira! Não enviar Sexta-Feira.