Este era, sem dúvida, o primeiro tiro que soara naqueles sítios desde a criação do mundo porque, mal tinha disparado, de todas as partes do bosque se levantou um número incrível de aves de diversas espécies, com um ruído confuso e uma algaravia pouco comum. Quanto à que matei, pareceu-me uma espécie de gavião, já que pela cor e pelo bico se assemelhava a ele, embora não tivesse os seus esporões nem as suas unhas; a carne, de um cheiro forte, não valia absolutamente nada.
Satisfeito com estas descobertas, voltei à jangada e pus-me a descarregá-la, trabalho que me ocupou o resto do dia. Mas chegou a noite e não sabia que fazer nem onde ir descansar. Não me atrevia a dormir no chão com medo de que as feras viessem devorar-me, embora não houvesse motivo para isso, segundo depois vi. Resguardei-me o melhor que pude com as caixas e tábuas que tinha desembarcado e, deste modo, fiz uma espécie de choça para me servir de abrigo naquela noite. Quanto aos alimentos, ainda não sabia como os arranjaria; somente vira dois ou três animais parecidos com lebres a fugirem para fora do bosque onde tinha morto o pássaro.
Comecei então a pensar que poderia tirar do buque muitas coisas capazes de me serem úteis, especialmente cordas, velas do barco e outros objectos susceptíveis de serem transportados para terra, e resolvi fazer uma nova viagem a bordo, se fosse possível. E como previa que à primeira borrasca que ocorresse a embarcação se faria em pedaços, renunciei a qualquer outro empreendimento até ter tirado do buque tudo o que pudesse. Pensei de mim para mim se regressaria com a jangada, mas isto pareceu-me pouco praticável; e assim tomei o partido de ir a nado, como da primeira vez, quando a maré baixasse, como o verifiquei, com a única diferença de que me despi antes de sair da choça, deixando só a camisa, as ceroilas e uns sapatos.
Ao chegar ao barco comecei a construir uma segunda jangada; e como já tinha a experiência da primeira, fi-la mais facilmente e não a carreguei tanto.
