A partir de então deixei de deitar-me na cama que trouxera do buque e preferi dormir numa rede muito boa que pertencera ao imediato do barco.
Coloquei na tenda todos os víveres e as coisas que podiam estragar-se com a chuva; fechei a entrada do recinto, que até então mantivera aberto, e passei a só entrar e sair pela escada pequena.
Feito isto, comecei a escavar a rocha; a terra e as pedras que tirei serviram-me para formar ao pé da paliçada uma espécie de terraplanagem que se elevava a cerca de pé e meio do solo. Assim, fiz também atrás da tenda uma espécie de cova que me serviu de adega para a casa.
Grandes e penosos trabalhos passei antes de poder dar a última demão em tudo aquilo, e só recordarei alguns incidentes acontecidos durante esse tempo.
Um dia, já depois de ter feito os meus projectos para a construção da tenda e da cova, sucedeu que estalou repentinamente uma tempestade de uma nuvem negra, e surgiu dela um relâmpago muito vivo logo seguido por um trovão espantoso, como sempre ocorre. Aquela exalação não me aterrou, apesar de tudo, tanto como uma ideia que me surgiu tão rápida na mente como a própria exalação: «A minha pólvora». O meu estado de espírito decaiu ao pensar que toda ela podia ser reduzida a nada num instante, já que com ela contava não só para defender a minha existência, mas também para meu sustento com a caça. Menos inquieto estava pelo perigo que eu mesmo podia correr, embora, se a pólvora tivesse pegado fogo, nem ficasse com tempo para distinguir de que banda tinha vindo o mal.
Estas reflexões causaram-me tanta impressão que, assim que a tempestade passou, suspendi os trabalhos
e pus-me a fazer sacos e caixas para guardar a pólvora; dividi-a em muitos pacotes, e pu-la em diversos sítios, com o objectivo de que se um pacote tomasse fogo os demais não ficassem sujeitos a incendiarem-se também. Gastei uns quinze dias nesta operação; e creio que a minha pólvora, que no total pesava umas 240 libras, acabou dividida em mais de cem pacotes.
