Por volta do meio-dia o mar cresceu com força, e o nosso castelo de popa mergulhava de tal modo no mar que a água atravessava e varria o convés; por uma ou duas vezes chegámos a julgar que a âncora tinha cedido. Então o comandante ordenou que largássemos a âncora mestra para impedir que o buque retrocedesse, depois de ter largado os cabos até ao fim.
Por essa altura desencadeou-se então um temporal horrível, e comecei a ver agora o terror e o estupor mesmo nos rostos dos próprios marinheiros. Embora o comandante tomasse todas as precauções necessárias para a salvação do buque, quando entrava e saía do seu camarote, ouvi-o por várias vezes exclamar à minha frente:
- Senhor, tende compaixão de nós, ou morreremos todos! Estamos perdidos!
Durante estes primeiros apuros achava-me eu estendido estupidamente no camarote, que ficava na proa, e não sabia dizer qual era a situação do meu espírito. Não podia pensar sem vergonha no meu primeiro arrependimento, tão depressa esquecido pelo meu coração endurecido. Os horrores da morte, afugentados de mim, tornaram a surgir quando ouvi aquelas palavras do comandante. Saí do camarote para ver o que se passava. Jamais espectáculo tão espantoso me ferira a vista: as ondas, como montanhas, ameaçavam envolver-nos de um momento para o outro; para qualquer parte que o meu olhar se dirigisse apenas via desolação.