Robinson Crusoe - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 8 / 241

Duas embarcações ancoradas perto da nossa tinham-se visto forçadas a deitar abaixo os seus mastros por estarem muito carregados, e os marinheiros disseram que uma embarcação que estava a uma milha de nós acabava de soçobrar. Outros dois buques, levantando as suas âncoras, largaram sem mastros ao sabor do acaso. Os barcos ligeiros, como não ofereciam tanta resistência ao vento, suportavam melhor a borrasca; também passaram diante de nós dois ou três, que largaram apenas com uma vela desfraldada.

Ao cair da tarde o piloto e o contramestre pediram licença ao comandante para cortar o mastro do traquete, ao que ele se negou. Mas quando o contramestre lhe manifestou que, se assim não fizesse, o buque pereceria infalivelmente, consentiu. No momento em que se cortou oscilou o mastro grande, e deu sacudidelas tão fortes que houve necessidade de cortá-lo também, ficando o convés tão raso como a palma da mão.

Deixo à consideração dos meus leitores imaginar o estado em que me encontraria, eu que nunca havia navegado e que tanto me assustara logo com o primeiro pequeno temporal. No momento em que fiquei em condições de reflectir parecia-me que a lembrança da lição que acabava de experimentar no último perigo, e o pouco caso que dela fizera para seguir a minha primeira e malvada decisão, causava-me mais espanto do que a própria morte. Estas reflexões, juntas ao medo que me inspirava a tempestade, puseram-me numa disposição de ânimo difícil de exprimir.

Apesar disso, não devíamos ver-nos já livres de sarilhos: o temporal aumentava com tal fúria que os próprios marinheiros confessaram nunca terem visto outro igual. A nossa embarcação era sólida, mas levava bastante carga e submergia-se muito na água, a tal ponto que os marinheiros gritavam constantemente que ia soçobrar. Afortunadamente, eu ignorava então o significado da palavra «soçobrar», até me informar mais tarde. Entretanto, a borrasca era tão violenta que vi o que raras vezes se vê, isto é, que o comandante, o contramestre e alguns dos marinheiros mais razoáveis se puseram a rezar, como se aguardassem a todo o instante ver o buque ir para o fundo do mar.





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