Robinson Crusoe - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 98 / 241

Lembrei-me a seguir da pobre lama que tinha fechada no meu cercado e resolvi ir buscá-la ou, pelo menos, levar-lhe de comer. Fui e encontrei-a onde a tinha deixado, pois não podia fugir porque estava meio morta de fome. Cortei alguns ramos de arbusto que lhe atirei e comeu; atei-a depois como antes fizera e levei-a comigo. A fome tinha-a tornado tão dócil que me seguiu como um cão. Continuei a dar-lhe de comer e fez-se tão formosa, carinhosa e mansinha que jamais quis abandonar-me, chegando a ser um dos principais membros da minha família.

Chegou a estação chuvosa do equinócio de Outono, e observei o aniversário do 30 de Setembro, dia da minha chegada à ilha, como já antes disse; dois anos tinham transcorrido desde a altura do naufrágio e não possuía a mais remota esperança de sair daquele cativeiro. Passei o dia a dar humildemente graças ao Céu pelos benefícios infinitos que havia dispensado à minha existência solitária, sem os quais teria sido muito infeliz. Comecei então a conhecer como era venturoso na minha vida actual, com todas as suas penosas circunstâncias, comparada com a vida maldita e miserável que tinha levado antes. Na actualidade tudo estava trocado para mim, alegria e pesares; não tinha nem os mesmos desejos nem as mesmas aflições; os meus prazeres eram muito diferentes dos que havia experimentado antes da chegada à ilha e ainda durante os dois anos transcorridos nela. Em tal estado de espírito iniciei o terceiro ano da minha estada na ilha e, embora não queira continuar a enfadar o leitor com o relato dos meus trabalhos, é, mesmo assim, necessário que se saiba que raramente estive ocioso. Havia dividido com regularidade o tempo entre todas as minhas ocupações: os meus deveres para com Deus e a leitura das Escrituras Sagradas, na qual ocupava três horas todos os dias, preenchiam a primeira parte; a segunda investia-a no exercício da caça, com o objectivo de arranjar alimento, o qual me ocupava cerca de três horas pela manhã, quando não chovia; e a terceira parte do dia passava-a nos cuidados domésticos, a pôr tudo em ordem e a condimentar a comida.





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