Por isso perguntei: «Mestre, que gente é essa que o temporal assim fustiga?» «A primeira daquelas de quem me pedes conta», respondeu-me então, «foi imperatriz de muitas línguas . De tal modo ao pecado da luxúria se entregou que a licença declarou licita por lei, para escapar à infâmia a que fora levada. É Semiramis, de quem se lê que sucedeu a Nino e sua esposa foi e governou na terra onde hoje o sultão reina. A outra é a que por amor se matou e quebrou a promessa que às cinzas de Siqueu fizera. Vem depois Cleópatra, a lasciva. Mais vês Helena, por cuja culpa houve luto tanto tempo, e vês o grande Aquiles, que por fim combateu com o Amor. Vês Páris e Tristão», e, apontando-as com o dedo, mais de mil sombras me mostrou que pelo amor foram à vida humana arrebatadas.
Depois de ouvir o meu mestre nomear as antigas damas e os vetustos cavaleiros, senti tal piedade que por pouco não desfaleci. E disse: «Poeta, de bom grado falaria àqueles dois que seguem juntos e mais leves do que o vento parecem.» Respondeu-me: Vê-los-ás quando estiverem mais próximos de nós; então lho pediras em nome do amor que os move e assim virão.»
Assim que o vento para junto de nós os trouxe, ergui a voz: «O almas penadas, vinde connosco falar, se vos é tal permitido!» Tal como pombas pelo desejo impelidas, pelo ar se acercaram, movidas pela mesma vontade, assim saindo do tropel onde está Dido e até nós voando pelo ar malsão, tão forte foi a minha afectuosa exclamação.
«Ó ser benigno e gracioso, que pelo ar tenebroso visitando vais os que de sangue tingimos o mundo! Se nos fosse propicio o rei do Universo, a paz lhe pediríamos para ti, posto que te compadeces da nossa triste sorte. Do que te apraza falar ou ouvir, contigo falaremos e ouviremos quando o vento, como agora, se calar. Situa-se a terra em que nasci no vale onde o rio Pó desaguas e, com os seus afluentes, por fim alcança a paz. O amor, que depressa se apossa dos nobres corações, fez o meu prender-se daquele ser formoso que me foi arrebatado de um modo que hoje ainda me dói.
