Ravelston recuou um passo, repugnado. Não o pôde evitar, era mais forte do que ele. A mão moveu-se automaticamente para a algibeira, mas, no mesmo instante, Hermione puxou-o pelo braço e arrastou-o para dentro do restaurante.
- Davas até ao teu último péni, se eu te deixasse - admoestou-o.
Instalaram-se na habitual mesa do canto. Ela mordiscou alguns bagos das uvas dispostas antecipadamente no centro, mas Ravelston tinha cada vez mais fome e pediu o bife da vazia que desejava e meia garrafa de Beaujolais. O empregado gordo de cabelos brancos, um italiano seu velho amigo, não tardou a apresentar-se com a carne fumegante. Ravelston começou a cortá-la e admirar a cor avermelhada que tanto apreciava, mesmo num bife. Em Middlesbrough, os desempregados tiritavam nas camas geladas, com pão, manteiga e chá sem leite nos estômagos. Ele continuou a comer a carne com todo o prazer envergonhado de um cão a contas com uma perna de cordeiro roubada.
Gordon estugava o passo em direcção a «casa». Cada vez fazia mais frio. Cinco de Dezembro, e o Inverno já se instalara. Circuncidai os prepúcios, disse o Senhor. O vento húmido soprava com intensidade por entre as árvores desnudas.
Vivamente, o vento ameaçador varre... O poema que iniciara na quarta-feira, do qual já completara seis estrofes, reapareceu-lhe na mente. Naquele momento, não lhe desagradava. Era curioso como as conversas com Ravelston sempre lhe levantavam o ânimo. O mero contacto com ele parecia tranquilizá-lo. Mesmo quando o diálogo resultava insatisfatório, afastava-se com a sensação de que, afinal, não era um falhado total. Repetiu a meia-voz as seis estrofes concluídas. Não eram más, nada más mesmo.
No entanto, intermitentemente, recapitulava as coisas que dissera a Ravelston. Não retirava uma única vírgula do que afirmara. A humilhação da pobreza! É isso que eles não podem nem querem compreender. Não privações - não se sofrem privações com duas libras semanais e, de qualquer modo, importaria pouco -, mas humilhação, a horrível e maldita humilhação.