O quarto estava horrivelmente frio, o que indicava que o fogão se mantivera apagado todo o dia. Júlia «economizava» sempre' gás, se se encontrava só. Ele olhou as longas e estreitas costas, quando se inclinou. O cabelo apresentava-se cada vez mais grisalho. Se continuasse assim, ficaria com a cabeça grisalha tout court.
- Gostas do chá forte, não é? - murmurou ela, debruçando-se sobre a lata, com movimentos ternos e lentos.
Gordon ingeriu a bebida de pé, o olhar fixo no calendário de madeira de vidoeiro. Despacha-te! Desembucha! No entanto, a coragem quase se esvaíra. Repugnava-lhe ter de cravar a irmã. A quanto montaria o dinheiro que ela lhe «emprestara» ao longo dos anos?
- Escuta, Júlia... Custa-me ter de te pedir, mas...
- Sim? - encorajou ela, perfeitamente ciente do que se seguiria.
- Desculpa, lamento imenso, mas... podes emprestar-me cinco xelins?
- Julgo que sim.
Foi procurar a pequena. e usada bolsa preta oculta no fundo da gaveta da roupa branca.
Ele adivinhava o que a irmã pensava. Disporia de menos cinco xelins para prendas de Natal. Era o grande' acontecimento da sua vida actual: o Natal e as prendas que oferecia - ter' de percorrer as ruas profusamente iluminadas, tarde, depois de o salão de chá encerrar, de uma secção de saldos para outra, à procura das insignificâncias tão apreciadas pelas mulheres. Embalagem de lenços de bolso, corta-papéis, chaleiras, estojos de manicura, calendários de vidoeiro com dizeres em pirogravura. Durante todo o ano, ela economizava migalhas do parco salário para' a «prenda de Natal de Fulano». Em obediência a esse hábito, oferecera a Gordon, no Natal anterior, os Poemas Escolhidos de John Drinkwater, num volume encadernado, que ele depois vendera por meia coroa. Pobre Júlia! Gordon retirou-se com os seus cinco xelins logo que considerou decentemente aceitável. Por que será que uma pessoa não consegue pedir emprestado a um amigo rico e não hesita em fazê-lo a um familiar quase faminto? Mas é claro que os familiares «não contam».