- Nunca tive oportunidade de me cultivar muito- admitiu o motorista, meneando a cabeça. - Exprimia-me por parábolas.
- Contento-me com o inglês básico.
- Era a língua de Shakespeare.
- É um intelectual, por acaso?
- Pareço tão carcomido como isso?
- Carcomido, não. Só intelectual.
- Tem toda a razão. Poeta.
- Poeta? Bem, é preciso todo o tipo de pessoas para constituir o mundo, suponho. - E que rico mundo é...
Os pensamentos de Gordon denotavam uma veia lírica, naquela noite. Os dois homens pediram novas bebidas e acabaram por regressar ao táxi de braço dado, após mais um gim por cabeça. Eram já cinco que Gordon tomava, naquela noite. Experimentava uma sensação etérea nas veias, como se o álcool se tivesse misturado com o sangue. Reclinou-se no canto do banco, o olhar perdido nos dísticos luminosos da escuridão azulada. O vermelho e azul intensos do néon agradavam-lhe momentaneamente. Com que suavidade o táxi rolava! Parecia mais uma gôndola que um carro. Era o facto de possuir dinheiro que' permitia aquilo. O dinheiro lubrificava as rodas. Pensou no serão que o aguardava: boa comida, bom vinho, boa conversa e, acima de tudo, nenhuma preocupação pelo dinheiro.
Nada de hesitações nas despesas por causa de seis pence e «Não podemos comprar isto!" e "Não podemos comprar aquilo!". Rosemary e Ravelston tentariam impedi-lo de fazer extravagâncias, mas ele calá-los-ia. Gastaria até ao último péni que se propusesse. Dez libras inteiras para esbanjar. Bem, cinco, pelo menos. A imagem de Júlia acudiu-lhe fugazmente ao espírito, mas extinguiu-se com prontidão.
Achava-se perfeitamente sóbrio, quando abandonou o táxi à entrada do Modigliani. O monstruoso porteiro, como uma enorme figura de cera com o mínimo de articulações, avançou rigidamente para abrir a porta do veículo, e o olhar sombrio absorveu com desagrado a indumentária do cliente potencial. Isso não significava que fosse necessário trajar a rigor no Modigliani, um ambiente que se revelava tremendamente boémio, mas há maneiras e maneiras de ser boémio, e a de Gordon não era a apropriada.