Todos os poetas da actualidade «não podiam» fazê-lo e, quando se aventuravam a escrever, surgia algo de tão árido como o ecoar de uma ervilha no interior de um bombo.
- Reconheço que não vivemos na época mais propícia para escrever poesia - declarou, com uma intonação condescendente.
- A quem O' diz!
Gordon aplicou um pontapé numa pedra. Preferia que os Prazeres Londrinos não tivessem sido mencionados. Evocavam-lhe a recordação do quarto indesejável e frio e os papéis dispersos junto da aspidistra.
-Isto de escrever é uma autêntica chatice! - articulou, bruscamente. - Sentado a um canto a torturar um nervo que' já não se digna responder. E quem se interessa por poesia, nos tempos que correm? O treino de pulgas é comparativamente mais útil.
- Em todo o caso, não deve perder a coragem, Aliás, você sempre produz alguma coisa, o que é mais do que um número substancial dos poetas contemporâneos pode dizer. Houve Ratos, por exemplo.
- Ora, Ratos! Só de pensar nisso apetece-me vomitar.
Recordou com rancor o pequeno oitavo de papel almaço. Nos quarenta ou cinquenta detestáveis poemas, cada um pequeno aborto no seu frasco rotulado. «Uma promessa excepcional», escrevera o suplemento literário do Times. Cento e cinquenta e três exemplares vendidos e o resto despachado a preços de saldo. Fez um daqueles movimentos de repulsa, e até de horror, que acode a todos os artistas quando pensam nos seus próprios trabalhos.
- Morreu - proferiu em voz surda. - Está morto como um feto rebentado num frasco.
- Bem, acho que é o que sucede à maior parte dos livros. Não se pode esperar uma venda enorme de uma obra poética, nos nossos dias. Há muita concorrência.
- Não se trata disso. Quero dizer que os próprios, poemas morreram. Não há a menor vida neles. Tudo o que escrevo é assim. Destituído de vida, de coragem. Não forçosamente hediondo ou vulgar, mas morto... apenas morto. - O termo «morto» - ecoou-lhe na mente e gerou uma série' de reflexões. - Os meus poemas estão mortos, porque eu morri. Você morreu. Estamos todos mortos. Pessoas mortas num mundo morto.