Com ar culposo e embaraçado, Ravelston conservava o olhar cravado no copo, que fazia girar lentamente entre as mãos. Sentia um vulto rectangular exercer pressão no peito - a carteira que, como sabia, continha oito notas de libra e duas de dez xelins acomodadas junto do livro de cheques. Como eram horríveis aquelas minúcias da pobreza! Não que aquilo que Gordon descrevia se pudesse considerar pobreza. Tratava-se, quando muito, da periferia dela. Mas e os verdadeiros pobres?
Os desempregados de Middlesbrough, sete num quarto com vinte e cinco xelins semanais? Quando há pessoas que vivem assim, como é possível que alguém se atreva a passear pelo mundo com notas de libra e livros de cheques na algibeira?
- É terrível... - murmurou varias vezes, impotentemente. Ao mesmo tempo perguntava-se - em obediência à sua reacção invariável - se Gordon aceitaria uma nota de dez xelins como empréstimo.
Tomaram mais uma bebida, que Ravelston voltou a pagar, e abandonaram o tenebroso botequim. Eram quase horas de se separarem. Gordon nunca passava mais de uma ou duas com ele. Os contactos com as pessoas ricas, como as visitas às altitudes elevadas, devem ser sempre breves. Era uma noite sem luar nem estrelas, com vento forte e húmido. O ar nocturno, a cerveja e o brilho aquoso dos candeeiros induziam nele uma espécie de vaga compreensão. Reconhecia que era totalmente impossível explicar a um indivíduo rico, mesmo a alguém tão decente como Havelston, a crueldade essencial da pobreza. Por esse motivo, tornava-se sumamente importante explicá-la. Assim, perguntou subitamente:
- Leu A História do Homem de Lewe, de Chaucer?
- A História do Homem de Lewe? Que me lembre, não. De que trata?
- Não me recordo. Estava a pensar nas seis primeiras estrofes. Onde ele fala da pobreza. A forma como concede a toda a gente o direito de nos espezinhar! A forma como toda a gente quer espezinhar-nos! As pessoas odeiam-nos por saberem que não temos dinheiro. Insultam-nos apenas pelo prazer de insultar, conscientes de que não podemos ripostar.