- Não é possível! - Ravelston mostrava-se desolado. - As pessoas não são assim tão más.
- Mas você não sabe as coisas que acontecem!
Gordon não queria que lhe dissessem que «as pessoas não são assim tão más». Apegava-se com uma espécie de prazer doloroso à ideia de que pelo facto de ser pobre toda a gente devia querer insultá-lo. Adaptava-se à sua filosofia da vida. E, de repente, com a sensação de que não se podia conter, começou a falar daquilo que lhe cruzava o espírito nos últimos dois dias - a desconsideração que recebera dos Doring, na quinta-feira. Descreveu todo o episódio sem o menor constrangimento. Havelston ficou abismado, sem compreender a razão pela qual Gordon se mostrava tão indignado. Afigurava-se-lhe absurdo estar desapontado por ter perdido uma enfadonha recepção literária. Na verdade, ele próprio não compareceria a uma reunião do género, nem que lhe pagassem. À semelhança de todos os ricos, passava mais tempo a evitar a sociedade humana do que a procurá-la. Resolveu interromper o arrazoado:
-Não se deve melindrar tão facilmente. No fundo, uma coisa dessas carece de importância especial.
- Não é a coisa em si que importa, mas o espírito subjacente. A maneira como nos desprezam, só porque não temos dinheiro.
- Mas pode não ter passado de um equívoco, um mal entendido. Por que desejaria alguém desprezá-lo? - «Se és pobre, o teu irmão odeia-te» - citou Gordon, com perversidade.
Ravelston, deferente mesmo para com as opiniões dos mortos, fez deslizar o indicador ao longo do nariz. - Chaucher disse isso? Nesse caso, não concordo com ele. As pessoas não o odeiam exactamente.
- Odeiam, sim. E têm toda a razão. Sou na verdade odioso. É como aqueles anúncios de Listerine: «Por que está ele sempre só? O mau hálito destrói-lhe a carreira.» A pobreza é o mau hálito espiritual.
Ravelston suspirou. Gordon era indiscutivelmente perverso. Continuaram a discutir - Gordon com veemência e Ravelston com ar desaprovador.
Este último não dispunha de armas eficazes para contra-atacar uma argumentação daquela natureza.
