Um crime atrai-me. O crime fascina-me como se eu participasse do crime, como se um fantasma desligado do meu próprio ser fosse cúmplice do criminoso. Não quero ver e fujo! fujo de mim mesmo!... E a primeira impressão que sinto diante da desgraça não é piedade – é irritação como se eu pudesse sustar o sofrimento e a injustiça...
O que é a vida? Fui eu porventura que tracei este caminho doloroso para que todas estas figuras me apareçam e interroguem?... Estão aqui na minha frente os vivos e os mortos – e não me largam. Somente os mortos não falam. Não é preciso... As fisionomias graves e cansadas contam-me a sua história. Basta olhar para os teus cabelos brancos para saber o que a vida fez de ti.
Estas rugas são sulcos abertos pelas lágrimas. À minha roda estão todos os que me deram um bocadinho de ternura e todos os que encontrei pelo caminho fora – os mendigos das estradas, os velhos, os ladrões, as mulheres humildes e os que choram baixinho para que ninguém os ouça chorar... Até a dor desapareceu – porque até a dor acaba por ser consumida por esta coisa imensa que se chama a Vida. Mas todos, vivos e mortos, todos me fazem a mesma pergunta a que não sei responder: – o que é a Vida? – Figuras de santos e figuras de ladrões com as mãos ósseas e geladas; este velho curvado pela vida até ao chão; estes olhos turvos que não se tiram de mim: – Para quê? para quê... – e esta criança que sofre e não sabe porque sofre e cuja expressão me persegue e se obstina: – Para quê? para quê?... – estes seres nodosos como troncos e que mal sabem falar, e estes de que a vida fez espectros e que desatam em risadas descompostas diante do mistério da vida... Outras figuras estão mais perto de mim e sigo dia a dia as dedadas trágicas com que a vida as vai modelando.