Os Pobres - Cap. 26: XXV - Natal dos pobres Pág. 148 / 158

– Fala! – e ela falava.

– O estupor, tu não te calarás! – Ela tinha os cabelos todos brancos e vai eu um dia perguntei-lhe quantos anos tinha. – Trinta – respondeu-me, e calou-se. Fiquei passada. O homem diante dela dava-me beijos para a ver chorar. Dizia-lhe: – Vou dormir com ela, ouves, velha? – E dormia comigo. A senhora não dizia palavra.

Chorava e punha em mim uns olhos tão tristes, que faziam aflição. Um dia que ficámos sozinhas, ela disse-me:

– A menina há-de ser uma infeliz. – Eu chorei; e ela com a mão nos meus cabelos, a fazer-me festas! – Coitada! coitada, que sorte a sua tão negra!... Ainda eu...

– Porque não o deixa? – perguntei-lhe. – Já me tinha deitado ao rio se não fossem os meus filhos.

– Ele sempre há desgraças! Às vezes mais vale ser mulher da vida.

– Esperai pelo resto. Tive as dores uma noite no verão, em a gosto, e a pobre da senhora é que me tratou.

Ele levou-me logo o filho. Na outra sala ouvi gritos. Vai e atirei-me pela cama fora, sem saber o que fazia. – Onde está o meu filho? – Fui mesmo de rastos e pus-me à porta a escutar. Eles berravam. – Se falas esgano-te! – dizia o malvado à mulher. – Mata-me! – tornava ela. – Tu queres a minha desgraça? Estorcego-te! – Depois ouvi um grande grito e fiquei como morta. – O nosso filho? o meu filho? – Nasceu morto. – A mulher a um canto chorou. Chorou sempre depois.

– Tinha-o matado, o malvado?...

– Tinha. Afogou-o na latrina. Depois veio a polícia.

Esperai... A criada ouvira os gritos. Sabe-se sempre tudo, o diabo tapa dum lado e descobre do outro. Ele fugiu para o Brasil, eu fui presa, e meu pai diante duma ingratidão tão negra – quereis crer? – estalou-lhe o coração. Depois... depois... A gente quando nasce já tem a sua sina escrita.





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