Os Pobres - Cap. 26: XXV - Natal dos pobres Pág. 149 / 158

– E a ti?... Não falas? – perguntam a uma sumida no escuro.

– A mim enganaram-me. Foi há tanto tempo que já me não lembra. Tudo perdi.

– E a tua família?

– A gente não tem família.

Na noite, a um canto do Hospital o velho banco de tábuas puídas, dá-lhe também para cismar. A ventania parou. Duma fresta tomba luar. A treva amontoa-se ao fundo, e, para além, nos corredores abobadados, arde um lampião. Direis que o negrume remexe: pedaços de escuridão destacam-se, escoam-se sem ruído pelas muralhas húmidas e espessas. Mais para o fundo há como um abismo, vala comum de treva empastada. Os gritos redobram; depois, por momentos o silêncio sufoca, como o dum sepulcro.

– Se é luar que cai daquela fresta... – cuida o banco.

– Se fosse luar!

Pela escada vê-se a enfermaria onde os lampiões em fila dão uma claridade triste, que mostra os corpos moldados em branco, caídos nos leitos: parece uma necrópole subterrânea e imensa.

– Se fosse luar... – Há que tempos que não sinto o luar. Era como um ruído branco que me envolvia outrora na floresta. Neva às vezes luar. E havia ainda outras vozes... Sempre se sonha, quando certas noites nascem!

Era diferente... Havia rumor nas folhas e o vento dizia aos ramos histórias acontecidas noutros montes. Há épocas em que o vento traz noivados, ais de sapos, frangalhos arrancados às flores... Se aquela poeira fosse luar... E se o luar se pusesse a correr sobre mim, aquecendo- me como outrora, quando em mim subia não sei o quê de misterioso e forte?

Redobram os gemidos, os estertores, os gritos. Os últimos lampiões apagam-se um a um, como se alguém lhe soprasse. É a Morte seguindo o seu caminho. Sombras esvoaçam. E a cova, negra, toma corpo, vive, mais calada, maior, vala infinita, a que uma luzinha dá alma.





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