E o pão que trazia para casa era quase uma esmola.
Mas tanto mentia que chegava a iludir-se. Às vezes não sabia o que havia de dizer. A desgraça gasta; a desgraça gasta até o sonho grotesco dos humildes. E elas caladas olhavam e esperavam; pareciam suplicar-lhe: – Mente! ao menos mente!
– E o velho inútil lá procurava um sonho ainda que fosse usado.
A velha reanimava-se. E outra vez passeava na sala, embrulhada no xale rapado.
– Não, que é preciso sairmos deste atoleiro.
– Agora vai, agora vai, tu verás. Ando aí com um negócio... Sabes tu que mais?... Deixa-me trabalhar.
Sossega.
– Nem na cova!
Ia a mãe deitar-se e Sofia, até aí silenciosa, dizia erguendo-se:
– Pai, não se aflija.
– Eu não, filha, eu não. Aquilo é génio, coitada.
Ela tem razão, tem sofrido muito. Vai tu também pra a cama. Dá cá um beijo... Assim. Eu fico com a escrita.
– Boa noite.
Sozinho o Gebo cismava muito tempo, olhando a luz. Depois, horas e horas, ouvia-se a pena correr no papel, parar, tornar... – E vão cinco, e vão sete... noves fora nada... – até que a vista se lhe toldava, e a desoras, embrulhado no cobertor, tombava sobre a mesa, soluçando:
– Não posso! não posso mais! E tinha uma letra tão linda!...
Na própria desgraça caem por vezes resquícios de sol. Houve tempo em que respiraram. Tinham-lhe dado escritas, mas faltava a luz dos olhos, e a vida de expedientes tornara, mais aziaga. Achavam-no ridículo, ninguém o tomava a sério a esse homem gordo e chorão, que vivia com esta pedra a moê-lo e a gastá-lo – a sorte da filha.
Quase sempre ao deitar falavam da filha.
– É o que nos vale, a nossa filhinha.
– Sempre nos dá mais ânimo.
– É tão boa, tão nossa amiga!...
A velha trabalhava, ruminava projectos desconexos para enriquecerem; a roupa andava defendida e cuidada até às últimas.