Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 6: V - História do Gebo

Página 46
Luziam as coisas e quase não comiam para poupar, sobretudo ela que tudo guardava para o Gebo e para a filha.

– O homem, mas então? Toda a gente se arranja e tu estás sempre na cepa torta!

– Deixa estar, mulher! As coisas não vão como tu pensas.

– Ora não vão, não vão!...

– Era ela afinal que o empurrava, àquele ser gordo e inútil. Fortalecia-o.

– Por vossa causa é que eu luto – dizia ele sempre.

– Não posso mais!

E não podia. Porque até o sonho mesquinho dos desgraçados se estanca, porque até aos desgraçados chega o momento em que não lhes é dado sonhar. Os pobres contentam-se com pouco – tudo lhes serve, qualquer fio lhes basta, e fazem esforços desesperados para o manterem vivo. Mas a desgraça seca, e o Gebo, que não tinha imaginação, não podia sonhar: o que ele queria era dormir, dormir aniquilado, num sono profundo de morte. Os outros não lho consentiam, debatiam-se ainda, e a velha teimava em resistir à desgraça, em iludir-se até à última, até cair por terra, exausta, exigindo-lhe todos os dias uma mentira para alimentar o seu sonho, teimando em defender até aos últimos restos de uma vida imaginária. – Então? então?... – interrogava, cada vez mais ansiosa. Mas o Gebo já não sabia, o Gebo já não podia mentir. E a necessidade de inventar todos os dias tornava-se-lhe tão dolorosa, mais dolorosa ainda, do que a de pedir esmola. Aquele homem gordo, ao chegar a casa, procurava o dinheiro no bolso e algum resto de sonho para atirar à mulher alta, seca, nervosa, de olhos fixos nele: – Então? então?... – Nada, nada... –Mas mente!

ao menos mente! dizia o silêncio, diziam os olhos ansiosos, dizia a atitude da mulher imobilizada diante daquele ser atarantado, cada vez mais grotesco, diante da desgraça cada vez mais próxima.

<< Página Anterior

pág. 46 (Capítulo 6)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 46

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154