Luziam as coisas e quase não comiam para poupar, sobretudo ela que tudo guardava para o Gebo e para a filha.
– O homem, mas então? Toda a gente se arranja e tu estás sempre na cepa torta!
– Deixa estar, mulher! As coisas não vão como tu pensas.
– Ora não vão, não vão!...
– Era ela afinal que o empurrava, àquele ser gordo e inútil. Fortalecia-o.
– Por vossa causa é que eu luto – dizia ele sempre.
– Não posso mais!
E não podia. Porque até o sonho mesquinho dos desgraçados se estanca, porque até aos desgraçados chega o momento em que não lhes é dado sonhar. Os pobres contentam-se com pouco – tudo lhes serve, qualquer fio lhes basta, e fazem esforços desesperados para o manterem vivo. Mas a desgraça seca, e o Gebo, que não tinha imaginação, não podia sonhar: o que ele queria era dormir, dormir aniquilado, num sono profundo de morte. Os outros não lho consentiam, debatiam-se ainda, e a velha teimava em resistir à desgraça, em iludir-se até à última, até cair por terra, exausta, exigindo-lhe todos os dias uma mentira para alimentar o seu sonho, teimando em defender até aos últimos restos de uma vida imaginária. – Então? então?... – interrogava, cada vez mais ansiosa. Mas o Gebo já não sabia, o Gebo já não podia mentir. E a necessidade de inventar todos os dias tornava-se-lhe tão dolorosa, mais dolorosa ainda, do que a de pedir esmola. Aquele homem gordo, ao chegar a casa, procurava o dinheiro no bolso e algum resto de sonho para atirar à mulher alta, seca, nervosa, de olhos fixos nele: – Então? então?... – Nada, nada... –Mas mente!
ao menos mente! dizia o silêncio, diziam os olhos ansiosos, dizia a atitude da mulher imobilizada diante daquele ser atarantado, cada vez mais grotesco, diante da desgraça cada vez mais próxima.