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Capítulo 11: X - História do Gebo

Página 71
Em dias de fome ela a primeira a fingir-se farta. Ordenava, mandava, batalhava. Matou-a a hora em que teve de despedir-se para sempre das suas ilusões, matou-a a hora em que o Gebo já não pôde mentir.

E tudo isto cabe dentro dum caixão de pássaro!

Cabem os dias e as noites, os monólogos infindáveis, o desespero e a dor; cabe a ternura; cabem todas as construções imaginárias que nos sustentam. A vida que é tão grande não tem peso, o sonho sem limites não tem peso... Cabe ali o que maquinou e remoeu, e que é infinito ao pé desse farrapo inútil. Agora que me despeço dela para sempre, tenho de confessar que, sob esta agitação perpétua, sob este desespero inteiriço, só havia sonho e ternura. Isto durou um momento na eternidade, mas durante esse momento teve de arcar com a vida: atreveu-se a disputar com a desgraça, num debate que só terminou quando foi ao fundo. Talvez o melhor fosse a gente não teimar, talvez o melhor fosse a gente deixar-se ir logo para o fundo. Mas ela não pôde: tinha de defender a vida dos seus e a própria ilusão, e defendeu-a até cair amachucada por aquelas mãos de ferro que não perdoam nem quebram. Tombou combatendo pela vida e pelo sonho que nos acompanha até ao túmulo e para além do túmulo... Talvez o sonho dos humildes seja inútil e grotesco. Talvez seja. Mas nele entram também, como nos sonhos grandiosos, como em todos os dramas da existência, as estrelas, o céu e o inferno. Entra Deus. E isto pesa toneladas. No sonho desta figura entrava ao mesmo tempo uma ternura extraordinária. O seu desespero era ternura... E tudo isto que exigia um tablado desconforme e que liga cada ser ao vasto universo, cabe agora entre quatro tábuas de forro!

Vestida com o último vestido, pelas mãos do Gebo e da filha, ficou branca, mirrada, embebida de serenidade, mais feliz do que os vivos.

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pág. 71 (Capítulo 11)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 71

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154