Nenhum homem sobrecarrega o espírito com matérias pouco importantes, a não ser que tenha um bom motivo para o fazer.
A sua ignorância era tão extraordinária como a sua erudição. Parecia não saber quase nada de literatura contemporânea, filosofia e política. Quando citei Thomas Carlyle, perguntou, o mais ingenuamente possível, quem era e o que tinha feito. A minha estupefacção atingiu o auge quando constatei, acidentalmente, que ele não conhecia a teoria de Copérnico nem a composição do sistema solar. Que um homem civilizado neste século XIX não tivesse consciência de que a Terra girava em torno do Sol parecia-me um facto tão extraordinário que dificilmente me podia aperceber disso.
- Parece admirado - disse ele, rindo da minha expressão de surpresa. - Agora que já sei farei os possíveis por esquecer.
- Esquecer!
- Compreende - explicou ele -, considero que o cérebro humano na sua origem é como um sótão vazio, uma pessoa tem de o encher com a mobília que se escolheu. Um louco mete lá todo o tipo de trastes velhos que encontra; por conseguinte, o saber que lhe podia ser útil é empurrado para fora ou, na melhor das hipóteses, é misturado com muitas outras coisas, por isso ele tem dificuldade em apreendê-lo. Presentemente o trabalhador engenhoso é realmente muito cuidadoso em relação àquilo que mete no sótão do cérebro. Ele terá somente as ferramentas que o podem ajudar a executar o seu trabalho, mas possui um grande sortido, todas na mais perfeita ordem. É um erro pensar que um compartimento pequeno tem paredes elásticas, que se podem esticar indefinidamente. Não há qualquer dúvida de que chegará uma altura em que, com cada aumento de conhecimentos, se esquece algo que já se sabia. Assim, é da maior importância não ter factos inúteis a empurrarem os úteis.
- E o sistema solar!? - protestei.
- Que diabo tem isso a ver comigo? - interrompeu ele com impaciência. - Você diz que andamos à volta do Sol. Se andássemos à volta da Lua não me faria a mínima diferença nem ao meu trabalho.