Eurico, o Presbítero - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 44 / 186

Não, eu não quero a glória inútil e ininteligível hoje para mim. Não, eu não quero o mando e o poderio, porque já não sei para o que eles prestam. Como o febricitante em dia ardente de Estio, que aspira a brisa da tarde, a qual não pode sará-lo, mas que lhe refrigera por momentos o ardor do sangue, assim eu ainda me deixo afagar pela ideia de me atirar ao maior fervor das batalhas pelejadas em nome da pátria. Esse delírio dos perigos; essa loucura que o cheiro de sangue produz é um respiradouro por onde resfolegará a indignação e a cólera entesourada por anos neste coração. Tiufado, seria constrangido a vigiar as acções dos outros, a usar do valor tranquilo que afronta imóvel a morte; mas que é tal valor para aquele a quem a vida serve só de martírio? Uma hipocrisia mais; mais um meio de enganar o mundo. E que tenho eu com o mundo para curar de enganá-lo?

Homem de paz — dir-me-ás tu — pela profissão do sacerdócio; tendo buscado o repouso à sombra eterna da Cruz, como é que desejas só o que nos combates há mais brutal, ignóbil e obscuro, o furor da matança, e recusas o que neles há mais nobre e puro, a inteligência com que um único indivíduo move milhares deles e lhes multiplica a força com a rapidez das ideias, com a sublimidade das concepções, com a robustez de uma vontade imutável? Homem de paz cingindo a espada do guerreiro, que outro mister deverá ser o teu?

Busquei, é verdade, o repouso e a paz no santuário de Deus! Dias e dias, passei-os orando com a fronte unida às lájeas do pavimento sagrado, esperando que da morada dos mortos surgisse para mim descanso e esquecimento; mas o sepulcro foi estéril. Noites e noites, vagueei-as pelas solidões: assentei-me ao luar sobre os penhascos dos promontórios, com os olhos cravados no céu ou errantes pela vastidão das águas, e onde todos acham lágrimas de consolo e de esperança eu não achei uma só, porque as minhas morriam apenas brotavam. O Senhor não me escutou as preces: não me aceitou a resignação. Este espírito, que tentava erguer-se nas asas da filosofia do Cristo para as alturas, despenhava-se de novo para o pélago medonho das recordações amargas.





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