Eurico, o Presbítero - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 84 / 186

Como o tufão rugindo se abisma nas galerias tortuosas de mina extensa, assim os godos renegados e os muçulmanos, que os seguem de perto, se precipitam dentro do mosteiro. Pelas arcadas e corredores, pelas salas e aposentos ouve-se o rir e falar desentoado, o ruído de passadas rápidas, o tinir das armas, o estourar das portas. Árabes, mouros, soldados godos da Tingitânia misturam-se, disputam, ameaçam-se, dividindo o saco. Os xeiques e os capitães do conde de Septum vedam-lhes unicamente a entrada das habitações interiores, onde a riqueza do templo lhes promete à cobiça mais avultada presa. Eles sós se encaminham para essa parte e desaparecem nos claustros monásticos, onde não se ouve outro sinal de vivos, senão o som de seus pés e, a espaços, o tinir das próprias armaduras, que roçam pelos pilares de mármore.

Suíntila, o desonrado irmão do virtuoso Atanagildo, era do número dos capitães que haviam primeiramente penetrado no claustro solitário. Tinha-se adiantado mais e descia por uma escadaria lôbrega que terminava, segundo parecia, numa quadra alumiada por muitas tochas. Esta circunstância, que lhe excitava viva curiosidade, obrigou-o a apertar o passo. A meia descida parou. Crera ouvir um cântico entoado por muitas vozes acordes, que a espaços era interrompido por gemidos dolorosos. Escutou: não se enganava! Então o terror começou a apossar-se dele, e, porventura, teria retrocedido, se não sentira que alguém mais o seguia. Eram dois xeiques árabes e um centenário do conde de Septum que o acaso guiara para aquela parte. Interposto entre o clarão avermelhado que saía do subterrâneo e os três que se aproximavam, Suíntila fez-lhes sinal de silêncio e continuou a descer mansamente até chegar à porta que dava da escadaria para o aposento iluminado. Então conheceu onde estava. Era um desses lugares misteriosos e santos que a primitiva arquitectura religiosa construía debaixo dos templos — templos também, mas da morte; porque aí, sobre os altares, repousavam as cinzas dos mártires, e aos pés deles os fiéis que obtinham para última jazida uma pouca de terra onde ainda fossem afagar-lhes as cinzas o sussurro longínquo das preces e o perfume dos sacrifícios. Suíntila achava-se na cripta do Mosteiro da Virgem Dolorosa.





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