Eram sempre as mulheres, e principalmente as moças, os militantes mais fervorosos do Partido, os devoradores de palavras de ordem, os espiões amadores e os espiculas dos desvios. Esta jovem lhe dava a impressão de ser mais perigosa que a maioria. Uma vez que se haviam cruzado no corredor, ela lhe lançara um rápido olhar de esguelha que parecia tê-lo penetrado até o imo, e o enchera de terror. Até lhe ocorrera a ideia de que talvez fosse da Polícia do Pensamento. Na verdade, isso era pouco provável. Entretanto, continuava sentindo um estranho mal-estar, em cuja composição havia medo e hostilidade, e que sobrevinha sempre que ela sempre se aproximava.
A outra pessoa era um homem chamado O'Brien, membro do Partido Interno e ocupante de um posto tão remoto e de tamanha importância que Winston dele só tinha uma vaga ideia. Um silêncio momentâneo calou o grupo reunido em torno das cadeiras quando viu o macacão negro do Partido Interno. O'Brien era um homem grande, troncudo, de pescoço taurino e rosto grosseiro, engraçado, brutal. Apesar da sua aparência temível tinha maneiras até distintas. Seu tique de rearranjar os óculos no nariz, um gesto curioso, desarmava e - de certo modo indefinível -parecia civilizado. Era um gesto que, se alguém ainda pensasse em velharias tais, poderia recordar um fidalgo do século dezoito oferecendo a caixa de rapé. Winston vira O'Brien talvez meia dúzia de vezes em outros tantos anos. Sentia-se fundamente atraído por ele, e não apenas por se sentir intrigado pelo contraste entre a urbanidade de O'Brien e o seu físico de pugilista. Era muito mais por causa de uma crença secreta ou talvez não chegasse a crença, fosse mera esperança de que não era perfeita a ortodoxia política de O'Brien.