1984 - Cap. 1: Capítulo I Pág. 18 / 309

Era tudo palpite: provavelmente imaginara a coisa. Voltou ao cubículo sem tornar a olhar para O'Brien. Mal lhe passara pela cabeça a ideia de aprofundar o contacto momentâneo. Seria inconcebivelmente perigoso, mesmo que soubesse como agir. Durante um segundo, dois, haviam trocado um olhar equívoco, e era o fim da história. Mas até aquilo era um acontecimento memorável, na solidão amuralhada em que se era obrigado a viver.

Winston levantou-se e acomodou-se melhor na cadeira. Soltou um arroto. Era o gin que lhe subia do estômago.

Seus olhos tornaram a focar a página. Descobriu que estivera escrevendo, num gesto automático, ao mesmo tempo que a memória divagava. E não era mais a letra desajeitada e miúda de antes. A pena correra voluptuosamente sobre o papel macio, escrevendo em grandes letras de imprensa:

ABAIXO O GRANDE IRMÃO

ABAIXO O GRANDE IRMÃO

ABAIXO O GRANDE IRMÃO

ABAIXO O GRANDE IRMÃO

ABAIXO O GRANDE IRMÃO

muitíssimas vezes, enchendo meia página.

Não pôde deixar de sentir um laivo de pânico. Era absurdo, pois escrever aquelas palavras não era mais perigoso que o ato inicial de abrir o diário, mas, por um momento sentiu-se tentado a rasgar as páginas usadas e abandonar por completo a empresa. Não o fez, contudo, porque sabia ser inútil. Quer escrevesse ABAIXO O GRANDE IRMÃO ou não, não fazia diferença. Quer continuasse o diário, quer parasse, não fazia diferença. A Polícia do Pensamento o apanharia do mesmo modo. Cometera - e teria cometido, nem que não levasse a pena ao papel -o crime essencial, que em si continha todos os outros. Crimideia, chamava-se. O crimideia não era coisa que pudesse ocultar. Podia-se escapar com êxito algum tempo, anos até, porém mais cedo ou mais tarde pegavam o criminoso.





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