Em nossos dias, eles não combatem uns aos outros. A guerra é travada, pelos grupos dominantes, contra os seus próprios súditos, e o Seu objetivo não é conquistar territórios, nem impedir que os outros o façam, porém manter intacta a estrutura da sociedade. Daí, o se haver tornado equívoca a própria palavra "guerra." Seria provavelmente correto dizer que a guerra deixou de existir ao se tornar contínua. A pressão que exerceu sobre os seres humanos entre a Idade Neolítica e o começo do século XX desapareceu e foi substituída por algo bem diferente. O efeito seria mais ou menos o mesmo se os três super-estados, ao invés de se guerrearem, concordassem em viver em paz perpétua, cada qual inviolado dentro das suas fronteiras. Pois nesse caso ainda seria um universo contido em si próprio, para sempre livre da influência moderadora do perigo externo. Uma paz verdadeiramente permanente seria o mesmo que a guerra permanente. Este - embora a vasta maioria dos membros do Partido só o compreendam num sentido mais raso - é o significado profundo do lema do Partido: Guerra é Paz. Winston parou de ler por um momento. Na distância remota uma bomba-foguete estourou. Ainda não sumira a deliciosa sensação de se sentir só com o livro proibido, num quarto sem teletela. A solidão e a segurança eram sensações físicas, de certo modo misturadas com o cansaço do seu corpo, a maciez da cadeira, a brisa gentil que tocava o rosto, soprando pela janela. O livro fascinava-o ou, mais exatamente, dava-lhe nova tranquilidade. De certo modo, nada lhe dizia de novo, mas isso fazia parte do seu atrativo. Dizia o que ele diria, se lhe fosse possível pôr ordem nos seus pensamentos desataviados. Era produto de um cérebro semelhante ao seu, porém -enormemente mais poderoso, mais sistemático, menos medroso.