Ele percebia que os melhores livros são os que dizem o que já se sabe. Voltara ao Capítulo 1 quando ouviu o passo de Júlia na escada e levantou-se para lhe sair ao encontro. Ela largou a bolsa de ferramentas no chão e atirou-se aos braços dele. Fazia mais de uma semana que não se viam.
- Recebi o livro - anunciou ele, quando se soltaram.
- Recebeste? Que bom! - exclamou ela, sem maior interesse, e imediatamente se ajoelhou ao pé do fogareiro de óleo para fazer café. Não voltaram ao assunto senão depois de terem estado meia hora na cama. A noite refrescara um pouco, levando-os a puxar a colcha. Lá de baixo vinham os ruídos familiares de botinas arrastando no lajeado, e cantoria. A mulheraça de braços vermelhos, que Winston Vira na sua primeira visita, parecia fazer parte do pátio. Parecia não haver hora do dia em que não estivesse marchando entre o tanque e o varal, ora tapando a boca com prendedores de roupa, ora abrindo os pulmões com gosto. Júlia deitara-se de lado e parecia estar a ponto de adormecer. Ele apanhou o livro, que depusera no soalho, e acomodou-se, encostando na cabeceira da cama.
- Deves lê-lo - disse ele.
- Tu também. Todos os membros da Fraternidade devem lê-lo.
- Tu lês - disse ela com os olhos fechados. - Lê alto. É o melhor. E assim vais explicando ao mesmo tempo.
Os ponteiros do relógio marcavam seis, indicando as dezoito. Ainda tinham três ou quatro horas pela frente. Ele apoiou o livro nos joelhos e pôs-se a ler:
Capítulo I
Ignorância é Força
Desde que se começou a escrever a história, e provavelmente desde o fim do Período Neolítico, tem havido três classes no mundo, Alta, Média e Baixa. Têm-se subdividido de muitas maneiras, receberam inúmeros nomes diferentes, e sua relação quantitativa, assim como sua atitude em relação às outras, variaram segundo as épocas; mas nunca se alterou a estrutura essencial da sociedade.