1984 - Cap. 19: Capítulo XIX Pág. 257 / 309

Tu lembras-te.

- Não me lembro - afirmou O'Brien.

O coração de Winston soçobrou. Era o duplipensar. Teve uma sensação mortal de impotência. Se ao menos pudesse ter certeza de que O'Brien mentia, não teria tanta importância. Mas era perfeitamente possível que O'Brien se tivesse esquecido da foto. E se assim fosse, já teria certamente esquecido sua negativa de se lembrar, e esquecido o esquecimento. Como era possível ter a certeza de que tudo não passava de estratagema? Esmagava-o o pensamento de que talvez pudesse de fato ocorrer aquele deslocamento lunático da mente.

O'Brien fitava-o com curiosidade nos olhos. Mais do que nunca tinha o ar dum mestre, dedicado a um aluno peralta mas promissor.

- Há um ditado do Partido que se refere ao controle do passado - disse ele. - Repete-o, por favor.

- "Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente controla o passado" - repetiu Winston obediente.

- "Quem controla o presente controla o passado, - disse O'Brien sacudindo a cabeça devagar. - Na tua opinião, Winston, o passado tem existência real?

De novo a sensação de impotência dominou Winston. Seus olhos contemplavam o mostrador. Não sabia qual a resposta salvadora; "sim", ou "não"? Nem ao menos sabia que resposta acreditava verdadeira.

O'Brien sorriu levemente.

- Não és metafísico, Winston. Até este momento, não havias considerado o que significa existência. Farei uma frase mais precisa. O passado existe concretamente, no espaço? Existe em alguma parte um mundo de objetos sólidos, onde o passado ainda acontece?

- Não.

- Então onde é que existe o passado, se é que existe?

- Nos registros. Está escrito.

- Nos registros. E onde mais?

- Na memória.





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