- Lembras-te de ter escrito no teu diário que não importava que eu fosse amigo ou inimigo, pois era ao menos uma pessoa que te compreendia e com quem se podia conversar? Tinhas razão. Gosto de conversar contigo. Tua mente me atrai. Parece-se com a minha, com a diferença de que és louco. Antes de encerrarmos a sessão, podes-me fazer algumas perguntas, se quiseres.
- Qualquer Pergunta?
- Qualquer.
Viu que os olhos de Winston estavam no mostrador.
- Está desligado. Qual é a tua primeira pergunta?
- Que foi feito de Júlia?
O'Brien tornou a sorrir.
- Ela te traiu, Winston. Imediatamente... sem reservas. Raramente tenho visto uma pessoa vir a nós tão depressa. Mal a reconhecerias, se a visses. Toda sua rebeldia, seu fingimento, sua loucura, sua sujeira mental - tudo foi queimado. Foi uma conversão perfeita, um caso de cartilha.
- Tu torturaste-a.
O'Brien não respondeu.
- Outra pergunta.
- Existe o Grande Irmão?
- Naturalmente existe. O Partido existe. O Grande Irmão é a corporificação do Partido. Mas existe da mesma maneira que eu existo? Tu não existes.
De novo a sensação de impotência o assaltou. Sabia, ou podia imaginar, os argumentos que provavam sua não-existência; mas eram insensatos, não passavam de jogo de palavras. Não continha a afirmativa "Tu não existes" um absurdo em lógica? Mas de que adiantava dizê-lo? Sua mente encolhia-se só de pensar nos argumentos loucos, irrespondíveis, com que O'Brien o demoliria.
- Creio que existo - respondeu. - Tenho consciência da minha própria identidade. Nasci, e morrerei. Tenho braços e pernas.