Madame Bovary - Cap. 14: VI Pág. 133 / 382

Na verdade, aquilo era uma mania da Sr. Homais; o marido sentia-se intendente preocupado, receando os resultados de semelhante compressão entre os órgáos do intelecto, e chegava às vezes a dizer-lhe:

- Mas pretendes então fazer deles caraíbas ou botocudos?

Charles, entretanto, procurava várias vezes interromper a conversação. - Tenho um assunto para tratar consigo - dissera ele ao ouvido do riturário, que logo se pôs a subir a escada na sua frente.

«Teria ele desconfiado de alguma coisa?», pensava Léon. Sentia o coração bater e perdia-se em conjecturas.

Finalmente, Charles, depois de fechar a porta, pediu-lhe que visse, ele esmo, qual poderia ser o preço de um bom daguerreótipo; era uma surpresa sentimental que queria fazer à mulher, uma atenção requintada, o seu retrato de casaca preta. Mas queria saber antecipadamente com o que teria contar; aquelas informações não deviam dar-lhe muita maçada, visto que Leon ia à cidade mais ou menos todas as semanas.

Com que finalidade? Homais suspeitava que havia ali qualquer histô-

ia de rapaz, qualquer intriga de amor. Mas enganava-se; Léon não andava atrás de nenhum namoro. Estava mais triste do que nunca e a Sr. Lefranis bem se apercebia disso pela quantidade de comida que deixava agora no prato. Para ver se descobria alguma coisa, ela foi interrogar o tesoureiro; Binet respondeu-lhe, em tom irritado, que não era pago pela polícia.

O companheiro parecia-lhe, entretanto, bastante estranho; pois muitas vezes Léon se recostava na cadeira, de braços caídos, queixando-se vagamente da existência.

- É que você não se distrai o suficiente - dizia o tesoureiro.

- Ora, como?

- Eu, no seu lugar, arranjava um torno!

- Mas eu não sei tornear - respondia o escriturário.





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