XV A multidão estacionava encostada à parede, disposta simetricamente entre as balaustradas. Nas esquinas das ruas próximas, gigantescos cartazes repetiam em caracteres extravagantes: «Lúcia de Lammermoor... Ópera..., etc.» Estava bom tempo; fazia calor; o suor escorria dos penteados e todos os lenços tirados dos bolsos limpavam as testas afogueadas; às vezes, uma aragem tépida, que soprava do lado do rio, agitava lentamente a orla dos toldos dos botequins. Um pouco mais baixo, entretanto, era-se refrescado por uma corrente de ar glacial que cheirava a sebo, a sola e a azeite. Era a exalação da Rue des Charrettes, cheia de grandes armazéns escuros onde se rolam barricas.
Com medo de parecerem ridículos, Emma quis que fossem dar um passeio pelo porto antes da entrada e Bovary, por prudência, conservou os bilhetes fechados na mão, dentro do bolso das calças, encostados à barriga.
Logo no vestíbulo Emma foi acometida por palpitações. Sorriu involuntariamente de vaidade, vendo o povo precipitar-se para a direita por outro corredor, enquanto ela subia a escada para os camarotes de primeira. Sentiu prazer, como uma criança, a empurrar com o dedo as grandes portas forradas; aspirou com toda a força dos pulmões o cheiro poeirento dos corredores e, já instalada no seu camarote, movia o busto com requebros de duquesa.
A sala começava a encher-se, tiravam-se lunetas de dentro dos estojos e os assinantes, reconhecendo-se de longe, trocavam saudações. Vinham distrair-se, com as belas-artes, das preocupações do comércio; mas, não podendo esquecer os negócios, continuavam a falar de algodões, de aguardente ou de anil. Viam-se cabeças de velhos, inexpressivas e apáticas, que, embranquecidas nos cabelos e na face, se assemelhavam a medalhas de prata embaciadas por vapores de chumbo.