VII o dia seguinte foi para Emma um dia fúnebre. Tudo lhe parecia indevido numa atmosfera negra que flutuava confusamente no exterior das coisas e o desgosto engulhava-se-lhe na alma com uivos brandos, como faz vento do Inverno nos castelos abandonados. Era aquele sonhar com o que voltará mais, a prostração em que se fica após cada facto consumado, fim, dessa dor provocada pela interrupção de qualquer gesto habitual, a cessação brusca duma vibração prolongada.
Como no regresso de Vaubyessard, quando as quadrilhas se lhe agitando em turbilhona cabeça, sentia agora uma melancolia taciturna, um espero entorpecido. Léon ressurgia-lhe mais alto, mais belo, mais suave, mais vago; embora separado dela, não a abandonara; ali estava ele e os pais da casa pareciam conservar-lhe ainda a sombra. Não podia despegar
vista daquela alcatifa que ele pisara, daquelas cadeiras vazias onde se sentara. O rio continuava a correr, empurrando lentamente as suas minúsculas vagas ao longo da margem escorregadia. Tinham passeado por ali
muitas vezes os dois, ouvindo aquele mesmo marulhar das ondas sobre
seixos cobertos de musgo. Que boas horas de sol ali tinham passado! e tardes belas, sós, à sombra, no fundo do jardim! Ela lia em voz alta, e cabeça descoberta, sentado num banco rústico feito de troncos secos; brisa fresca da pradaria fazia tremer as páginas do livro e as campainhas caramanchão... Mas ai!, fora-se embora o único encanto da sua vida, única esperança possível de felicidade! Por que não se apoderara ela naquela ventura quando estava ao seu alcance! Por que não o retivera com as duas mãos, com os dois joelhos, quando lhe quisera fugir? E Emma amaldiçoava-se por não ter amado Léon; tinha sede dos seus lábios. Sentiu vontade de correr para o pé dele, lançar-se-lhe nos braços e dizer-lhe: «Aqui me tens, sou tua!» Mas embaraçava-se antecipadamente com as dificuldades da aventura e os seus desejos, a que se acrescentava o desgosto, ainda se tornavam mais activos.