Eurico, o Presbítero - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 65 / 186

Muitos ginetes vagueavam sem donos; muitos cavaleiros combatiam a pé. Desgraçado do que, ferido, caía em terra; porque para ele não havia misericórdia: o punhal acabava o que o franquisque ou a cimitarra começara. Dir-se- -ia que os regatos de sangue, serpeando por entre as duas hastes enredadas e salpicando as frontes e corpos, eram as veias descarnadas e rotas daquele grande vulto, coleando na derradeira agonia.

O cavaleiro negro, ao cessar a batalha do dia antecedente, desaparecera do campo, sem que ninguém soubesse dizer como ou onde se escondera. Só Teodemiro parecia não o ignorar; porque, ao falarem do desconhecido e das suas quase incríveis façanhas, os tiufados e quingentários que em volta dele esperavam o romper da manhã e o recomeçar da peleja, o duque de Córdova buscara sempre mudar de conversação ou respondera, carregando-se-lhe o semblante de tristeza: «É, porventura, algum desgraçado que procura o repouso da morte, e para o homem que resolveu morrer, que feito de valor será impossível? Se ele não quer deixar na terra nem o eco vão de um nome glorioso, respeitai-lhe os desejos, porque profundo deve ser o abismo da sua desventura.»

Ao som, porém, das trombetas que anunciavam o renovar do combate, o cavaleiro negro não tardara a aparecer onde mais acesa andava a briga. Via-se, contudo, que era principalmente nas fileiras dos árabes, onde as puas agudas e cortadoras da sua temerosa borda ou maça de armas faziam maiores estragos. Mas, quando algum dos godos trânsfugas ousava esperar-lhe os golpes ou tentava feri-lo, ouvia-se-lhe um rugido como o de maldição preso na garganta por cólera imensa, e o seu miserável contrário não tardava a golfar o sangue na terra da pátria que traíra e a entregar aos demónios a alma tisnada pela infâmia da perfídia. Os árabes supersticiosos quase criam ver nele Íblis, o rei infernal do Geena, armado da espada percuciente, solto por Deus para os punir das ofensas cometidas contra o divino Corão. Diante dele recuavam os mais esforçados muçulmanos, e só de longe os frecheiros lhe disparavam alguns tiros, que se lhe empenavam no escudo ou, roçando por este, vinham bater-lhe na armadura, debaixo da qual manava já o sangue de algumas feridas, e os membros lassos começavam a desmentir a impetuosidade do espírito.





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