- Que será feito da fidalga?
- Que fidalga?
- Da Sr.ª D. Ricardina?
- Essa mulher morreu! Não me fales mais nela se queres continuar nesta casa.
- Morreu! - exclamou Norberto pondo as mãos.
O padre voltou lhe as costas.
O rústico não entendeu o figurado da resposta, e percebeu que D. Ricardina realmente era falecida. Escondeu-se a chorar; mas o ódio ao abade sobrepujava os sentimentos ternos. A índole, naquela hora, propendia-o mais ao sangue do que às lágrimas. Afogueou-lhe por momentos a cabeça o pensamento de vingar Ricardina, cortando os fios da vida ao implacável algoz de tantas pessoas; mas desse crime inútil o salvou a lembrança de Bernardo Moniz, que o esperava em Espanha. No mesmo dia, despediu-se do amo.
- Porque te vais da minha casa? - inquiriu o abade.
- Porque não quero servir mais Vossa Senhoria - respondeu secamente Norberto.
- Um criado que me serviu vinte e seis anos pode deixar-me!.
- Perdoará, Sr. Abade; não tenho remédio senão sair.
- Faze o que quiseres. Criados não faltam.
- Bem sei, Sr. Abade.
- Pois se sabes, rua!
- Já cá vou - disse o Calvo, saindo.
Passou por casa da sua mãe, abraçou-a, deu-lhe metade das suas soldadas, e partiu para Espanha. Chegado a Espejo, soube que Paulo de Campos saíra para Oviedo, e deixara secreto recado para ser lá procurado. O aparecimento de espiões portugueses nas fronteiras de Espanha motivara o internar-se nas Astúrias o estudante, deixando o aviso do seu destino a um espanhol liberal que o julgava emigrado político.