O Retrato de Ricardina - Cap. 20: CAPÍTULO XX - OBRAS DO TEMPO Pág. 126 / 178

o ânimo das primeiras autoridades liberais chegadas à África, relembrando-lhe o desatino dos académicos de 1828, viu que a restauração da liberdade não indultara a memória dos enforcados, que uma cegueira juvenil pervertera.

Perguntando a um delegado, que devia ter sido seu contemporâneo, o destino que tiveram os cúmplices dos justiçados, ouviu proferir o seu nome com desprezo.

- E que é feito desse homem? - perguntou o advogado de Luanda.

- Mataram-no por causa de um rapto. O tal Moniz abrangia os crimes às gabelas!

- E uns irmãos que frequentavam a Universidade com ele?

- Estavam inculpados na morte dos lentes; mas um que era médico morreu a tiro; o outro emigrou, e pareceu-me ouvir dizer que militara no cerco do Porto, e morrera nas linhas de Lisboa.

Norberto Calvo negociava em comestíveis, e ganhava para si que farte, e para o seu amigo quando os salários da advocacia escasseavam às primeiras necessidades. Além disto, era sargento quartel-mestre da força do presídio, honras que lhe preparara Bernardo ensinando-o a ler e escrever.

Ricardina, no decurso de quinze anos, tinha perdido a sua mãe adotiva, de quem herdara os poucos bens que restavam a D. Ifigénia, defraudada pelo seu procurador em Lisboa e por algumas quebras comerciais do Rio. O espólio da defunta orçaria por três contos de réis. Aos 33 anos, D. Ricardina Pimentel, formosura inquebrantável a golpes de paixões tantas e tão variadas, esteve a pique de morrer de enfermidade do coração. Os médicos mandaram-na para a pátria, condicionando-lhe a morte, se permanecesse no Brasil. Estava ela então em S. Paulo com o filho, que começava o curso de Jurisprudência. Levantou de ali para Portugal, no propósito de assentar a sua residência em Coimbra por amor da formatura de Alexandre Pimentel.





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