Corria o ano de 1844, quando o filho de Bernardo Moniz se matriculou no 1º Jurídico.
Uma tarde pediu-lhe sua mãe que a levasse a passear com ele. Ao passarem na Sofia, D. Ricardina ia olhando atentamente para as portas e janelas do lado ocidental da rua. Deteve-se enlevada numa casa onde ela pernoitara dezasseis anos antes.
- Seria esta? - dizia ela entre si.
E contemplava uma janela que lhe parecia ter sido a de Bernardo, combinando reminiscências erradas talvez, ou exatas por casualidade.
- Que está a mãe a ver? - perguntou Alexandre.
- Nada, filho.
- Nada? Mas os seus olhos choram.
- É da impressão do vento.
E foi caminhando. Alexandre acreditou-a. Que tinham que ver as janelas daquela casa com as lágrimas da sua mãe? E aqui vem de molde avisar o leitor de que Alexandre da sua linhagem sabia o que a sua mãe lhe dissera com perdoável inexatidão: Que era filho de um provinciano já falecido quando ele nascera. que o seu pai se apelidava Pimentel. que a sua madrinha socorrera a indigência da mãe. Ricardina contaria sem pejo os seus desventurados amores a estranhos; mas ao filho não pudera. Há o que quer que seja sacratíssimo no vínculo da alma maternal à pureza de ouvidos e coração de filho. A inocência da criança incute mais pudor e medo no seio da mãe que o escárnio insultador da sociedade. A mulher delinquente mostra a descoberto em pleno mundo os estigmas do rosto, e forceja por escondê-los dos olhos dos seus filhos. Além
de que, Ricardina sabia que inexorável vilipêndio denegria a memória de Bernardo Moniz. O inocente menino teria de tragar iniquíssimos afrontamentos se fosse conhecido como filho do assassino, que devia à fuga o ter-se desviado do caminho da forca.
Estas seriam as duas causas que lhe represaram as expansões, quando ela ia ceder ao ímpeto de contar sua vida ao filho, para, a toda a hora, lhe poder falar no pai.