O Retrato de Ricardina - Cap. 1: CAPÍTULO I - O ABADE DE ESPINHO Pág. 2 / 178

Lisonjeava-o entrar com as filhas na casa de onde fugira a mãe, quinze anos antes. Os Pimenteis receberam agastados a proposta, enviada por medianeiro hábil. Depois discutiram menos irritados. Por fim, pediram prazo para refletir. Os dotes prometidos eram trinta mil cruzados para cada menina.

Os noivos acederam, tirando a partido que a mãe das nubentes se recolheria em mosteiro, antes das núpcias das filhas. O abade replicou, observando ao comissário da cláusula que D. Clementina, se houvesse de ser Madalena certo não se guardaria para tão fora de horas, nem a justiça de Deus levaria em grande conta um arrependimento aos 40 anos. Em suma, rematou o espírito forte do padre Leonardo Botelho dando por terminadas as notas diplomáticas.

Voltaram os Pimenteis a refletir. Acharam-se subitamente filósofos. “Filósofos” vinha a ser “tolerantes”, quando não significasse “despejados”.

- Pensemos filosoficamente - dizia o irmão de Clementina. - As raparigas que venham com a condição de cá não pôr o pé a mãe.

Comunicaram ao abade a modificação.

- Não, senhor - retorquiu o padre. - Onde as filhas estiverem há de ir a mãe.

- Pensemos filosoficamente - disseram entre si os Pimenteis. - A mãe poderá vir alguma vez; mas o abade nunca.

- Não, senhor. - insistiu o abade. - Eu hei de ir com as minhas filhas, porque lhes quero muito, e decerto dava sessenta mil cruzados com a obrigação de as não mais.

Não cabia tanta ignomínia no bojo de uma família que procedia de D. Ordonho I, rei das Astúrias. Debateu-se, ainda assim, três semanas o escândalo. Venceu a filosofia! D. Ordonho I deu com o capacete na pedra sepulcral, querendo exumar-se para esfolar os netos quando ouviu dizer:

- Pois deixemos vir o abade. Pensemos filosoficamente.





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