O Retrato de Ricardina - Cap. 4: CAPÍTULO IV - BERNARDO MONIZ Pág. 20 / 178

Umas vezes, era uma menina de 8 anos espreitando cautelosamente o ninho de uma toutinegra entre silveirais enredados à ourela de um córrego, enquanto a ave irrequieta pousava latejante de susto num salgueiro da outra margem. Outras vezes, era a mesma menina sentada no peitoril de um miradouro, com uma abada de rosas de toucar, com as quais orlava o decote do vestido menos alvo do que ela. A mesma menina lhe sorria uma hora, do escuro de um caramanchel, enfeitando um cesto de pomos com folhagem e grinaldas. Outra hora, sentada nos degraus de um cruzeiro, parecia contemplar com tristeza outra menina que se balouçava numa redoiça formada pelo esgalho flexível de um castanheiro. Esta criança, sempre a mesma e inalterável na fidelidade das feições angélicas, era Ricardina; a outra, menos frequente e menos poetizada nos seus quadros, era Eugénia.

Admirável parcimónia de imaginação! Espetáculos tão esplêndidos e alma tão capaz de inspirar-se da beleza deles, davam de si tão pouco! Sempre as mesmas árvores, o mesmo mirante, o silvedo com o mesmo ninho, e uma só imagem infantil a dar relevo à monotonia das suas cópias! Vinha a ser esta pobreza de fantasia, uma exuberância de tesouros do coração. Era amor do tempo em que ele, debaixo do mantéu áspero de pastor de pobre rebanho, escondia as asas do anjo, que, a espaços, o remontavam onde ele pensava que o erguiam sonhos.

Aos 12 anos era Bernardo ainda o pegureiro das ovelhas da arribana paterna. Guiava-as aos montados em frente da residência de Espinho. Na volta da noite, passava o ribeiro, e rodeava o passai do abade. Então acontecia ver na orla do regato Ricardina espreitando o ninho da toutinegra, ou sentada no cruzeiro; alguma hora no miradouro, e uma só vez no caramanchel enflorando o cabazinho da fruta, quando ele foi chamar o abade para sacramentar sua mãe.





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