Leonardo Botelho sentiu a primeira e sincera agonia na alma encouraçada às dores que dobram as compleições mais rijas. Ficaram-lhe enxutos os olhos porque as lágrimas são o limbo: além destas está Céu, consolação, desafogo. Então que flecha vingou fender-lhe o aço do peito? Devia de ser o desprezo, se não ódio dele com que a asceta Clementina se voltara para as quimeras de além-mundo, deixando-o apontado como algoz de uma alma, que lhe fugiu para salvar-se. Esta satânica soberba afogava os germes da compaixão. A cada assomo de remorso correspondia a força reativa da sua razão, desvanecendo-lho com a ira de se ver sem família, ludibriado por uma filha, que o deixa por lhe ser negada licença para honorificar um vilão; ludibriado pela mãe, que se bandeara com a filha rebelde; ludibriado pela outra filha, que, decorridos dois meses de apartamento, não mandara saber do seu pai.
Mais suaves angústias, ao mesmo tempo, eram as de Clementina. A sua cela desbordava de amigas extremosas que se pasmavam a contemplar-lhe a paciência invencível às ânsias de uma hipertrofia do coração. Não havia ter as lágrimas quem lhe escutava o confessar-se do seu desmerecimento para tanto amor de senhoras sem mácula. Pode ser que a enferma se enganasse no juízo das caridosas amigas; sem embargo, deviam de ser boas almas aquelas que se não melindravam de confortar pecadora tão inveterada no crime. Chegada ao termo, e já entrevendo por olhos baços as alvoradas do dia eterno, disse à filha:
- Ricardina, deixo-te no meio do teu noviciado.