Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 8: CAPÍTULO VIII - O BEM-FAZER DA MORTE

Página 48
porque têm o ardor do castigo. Revira-se contra si próprio, se a solidão o aterra. Quer espancar a imagem de Clementina e de Ricardina que, a espaços, se lhe figuram sentadas nas cadeiras à volta da mesa em que ele violenta a deglutinação do bocado. Foge de si mesmo, e cada hora se sente a cavar mais fundo no lodo da consciência. As camadas sobrepostas ao remorso são espessas; mas afinal a faísca ressalta, invade-lhe o peito, e pega-lhe no bravio resseco do coração.

Começa o condenado a temer Deus. A sua fé não transluz da desgraça, nem do raio influído do alto, nem do reconcentrar-se a indagar a causa dos efeitos: a sua fé não é senão cobardia, medo de sofrer. O sibarita, estribado no seu ouro e na provada força das vitórias sobre os reveses. espanta-se da subitânea transformação da vida. A dor ainda assim não o amolga. Pouco vai além dos 40 anos. Se a alma lhe fraqueja, o corpo reage e sacode de si a importuna hóspede, sem a qual pôde saborear as coisas boas deste mundo, que todas são doçura estreme quando assim as tempera o despejo. Está ele já remoçando às práticas da sua juventude dissoluta. Lembra-se da mulher que antecedera os amores de Clementina, e da presteza com que a segunda lhe despintara da fantasia afogueada os traços da outra. Como aquela alma se ia atolando na lama que o esgoto do remorso lhe desenchia da consciência!

Abrangeu de um lance de olhos as ovelhas mais nédias do rebanho, e andava confrontando as recenseadas no propósito de eleger a mais de feição para fazer luz e vida na escuridade das suas salas desertas.

Nestas reflexões com que ia entretendo o mês de Janeiro de 1828 o encontrou uma carta vinda dos primos lamecenses, com a nova de que D. Clementina Pimentel estava muito enferma e já desconfiada dos médicos.

<< Página Anterior

pág. 48 (Capítulo 8)

Página Seguinte >>

Capa do livro O Retrato de Ricardina
Páginas: 178
Página atual: 48

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
CAPÍTULO I - O ABADE DE ESPINHO 1
CAPÍTULO II - UM AMIGO! 9
CAPÍTULO III – REAÇÕES 12
CAPÍTULO IV - BERNARDO MONIZ 19
CAPÍTULO V - MÃE E FILHA 25
CAPÍTULO VI – AGONIAS 32
CAPÍTULO VII - O QUE ELA PEDIA A JESUS 39
CAPÍTULO VIII - O BEM-FAZER DA MORTE 45
CAPÍTULO IX - ATÉ QUE ENFIM! 52
CAPÍTULO X - A SORTE 59
CAPÍTULO XI - MEMÓRIAS DOLOROSAS 66
CAPÍTULO XII – ESPERANÇAS 75
CAPÍTULO XIII - NORBERTO CALVO 80
CAPÍTULO XIV - PLANOS DO ABADE 88
CAPÍTULO XV - COMO O SENTIMENTO DA GRATIDÃO FEZ UM TIGRE 94
CAPÍTULO XVI - E O SOL NASCIA FORMOSO! 104
CAPÍTULO XVII - ENTRE A DEMÊNCIA E A MORTE 112
CAPÍTULO XVIII - O QUE FEZ A IGNORÂNCIA DO ESTILO FIGURADO 118
CAPÍTULO XIX - TÁBUA DE SALVAÇÃO 122
CAPÍTULO XX - OBRAS DO TEMPO 125
CAPÍTULO XXI - VANTAGENS DE CINCO PRÉMIOS 132
CAPÍTULO XXII - OS “DEZ-RÉIS” DA VISCONDESSA 136
CAPÍTULO XXIII - A RODA DA FORTUNA 141
CAPÍTULO XXIV - A NETA DO ABADE DE ESPINHO 147
CAPÍTULO XXV - O CORAÇÃO NÃO SE REGULA PELAS LEIS VISIGÓTICAS 156
CAPÍTULO XXVI - O REPATRIADO 161
CAPÍTULO XXVII - O RETRATO DE RICARDINA 166
CAPÍTULO XXVIII - ENFIM... 171
CAPÍTULO XXVIII – CONCLUSÃO 177