porque têm o ardor do castigo. Revira-se contra si próprio, se a solidão o aterra. Quer espancar a imagem de Clementina e de Ricardina que, a espaços, se lhe figuram sentadas nas cadeiras à volta da mesa em que ele violenta a deglutinação do bocado. Foge de si mesmo, e cada hora se sente a cavar mais fundo no lodo da consciência. As camadas sobrepostas ao remorso são espessas; mas afinal a faísca ressalta, invade-lhe o peito, e pega-lhe no bravio resseco do coração.
Começa o condenado a temer Deus. A sua fé não transluz da desgraça, nem do raio influído do alto, nem do reconcentrar-se a indagar a causa dos efeitos: a sua fé não é senão cobardia, medo de sofrer. O sibarita, estribado no seu ouro e na provada força das vitórias sobre os reveses. espanta-se da subitânea transformação da vida. A dor ainda assim não o amolga. Pouco vai além dos 40 anos. Se a alma lhe fraqueja, o corpo reage e sacode de si a importuna hóspede, sem a qual pôde saborear as coisas boas deste mundo, que todas são doçura estreme quando assim as tempera o despejo. Está ele já remoçando às práticas da sua juventude dissoluta. Lembra-se da mulher que antecedera os amores de Clementina, e da presteza com que a segunda lhe despintara da fantasia afogueada os traços da outra. Como aquela alma se ia atolando na lama que o esgoto do remorso lhe desenchia da consciência!
Abrangeu de um lance de olhos as ovelhas mais nédias do rebanho, e andava confrontando as recenseadas no propósito de eleger a mais de feição para fazer luz e vida na escuridade das suas salas desertas.
Nestas reflexões com que ia entretendo o mês de Janeiro de 1828 o encontrou uma carta vinda dos primos lamecenses, com a nova de que D. Clementina Pimentel estava muito enferma e já desconfiada dos médicos.